Correio braziliense, n. 20782 , 16/04/2020. Brasil, p.7

 

STF dá autonomia aos estados e municípios

Luiz Calcagno

16/04/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Em derrota para o presidente Bolsonaro, Supremo decidiu que governadores e prefeitos podem executar as medidas que avaliarem necessárias para conter o avanço da Covid-19

Na primeira sessão por videoconferência em toda a história do Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros garantiram a governadores e prefeitos o poder de determinar medidas de isolamento social no combate ao novo coronavírus. A decisão ocorreu durante a votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341, impetrada pelo PDT, contra a Medida Provisória nº 926/2020. A MP foi editada pelo governo federal, principalmente, para aumentar o poder do presidente da República, Jair Bolsonaro, que passaria a determinar, nos estados, municípios e no Distrito Federal, serviços públicos e atividades essenciais que não podem parar.

A maioria dos magistrados acompanhou o relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, no sentido de manter a validade da MP, mas aplicar o entendimento de que prefeitos e governadores também podem executar as ações. Por maioria, também entenderam que os chefes dos Executivos locais podem, sim, definir quais são as atividades essenciais que, no âmbito local, não devem ficar paralisadas durante a pandemia.

Foi a partir da MP que Bolsonaro determinou a reabertura das agências lotéricas da Caixa. O relator da ADI, ministro Marco Aurélio Mello, disse que o texto viola a autonomia dos entes federados. Já o ministro Alexandre de Moraes destacou que a federalização é um dos princípios da democracia brasileira. Apesar de alterarem a interpretação das mudanças que a MP provocou na Lei nº 13.979/2020, de enfrentamento ao coronavírus, para garantir a autonomia dos entes federados, os magistrados não decretaram inconstitucionalidade à medida editada pelo governo.

O presidente do STF, José Dias Toffoli, leu a nova interpretação ao fim do julgamento. “Foi referendada a medida cautelar deferida pelo eminente relator, acrescida de interpretação conforme a Constituição ao parágrafo 9º do artigo 3º da Lei nº 13.979, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso 1 do artigo 198 da Constituição, o presidente da República poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais. Vencidos neste ponto o ministro relator e o ministro presidente Dias Toffoli. E também ficam vencidos em parte, quanto a interpretação conforme o inciso 6º do artigo 3º, o ministro Alexandre de Moraes e o ministro Luiz Fux.

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes destacou que, em um momento de crise, a constituição Federal deveria “servir de guia para os entes políticos”.

“Esse julgamento se refere ao federalismo e suas regras de distribuição. Muito mais do que quem pode mandar A, ou mandar B, discutimos um dos três alicerces, o federalismo. Com a separação de poderes e declaração de direitos fundamentais, ele tem a mesma finalidade: limitar o poder de um único ente”, disse.

Cooperação

Já Rosa Weber destacou a necessidade de cooperação entre os entes da federação e afirmou que cuidar da Saúde “é competência comum”. No entanto, foi severa ao comentar sobre a forma com que o governo editou a MP. “O presidente, por medida provisória, delegou poderes a si próprio, sem instituir critérios de controle. E desse modo, o Congresso ficaria obstado de exercer esse controle. Nessa linha, pelo que eu consegui apreender, o eminente ministro (Edson) Fachin estaria propondo uma interpretação conforme a Constituição, no sentido de que, preservada a atribuição de cada esfera do governo, o presidente poderá dispor sobre serviços públicos e atividades essenciais”.

Celso de Mello, que passa por problemas de saúde, não participou da sessão, e Luís Roberto Barroso se declarou suspeito.