O globo, n. 31670, 22/04/2020. Opinião, p. 2

 

Avanço da Covid-19 sobre favelas exige ações e reforço na quarentena

22/04/2020

 

 

Os primeiros registros da Covid-19 no Brasil surgiram em São Paulo, no fim de fevereiro. Eram casos importados da Europa e dos Estados Unidos. Autoridades de saúde sabiam que a disseminação pelo país era inexorável, pela facilidade de transmissão e pelas dificuldades de detectar e monitorar os doentes, como ocorria em outros países. De início, o novo coronavírus se espalhou pelos bairros de classe média. Mas o avanço da epidemia sobre as periferias e comunidades, onde as condições sanitárias são precárias, era só questão de tempo. E esse tempo chegou.

Na capital paulista, que concentra o maior número de casos e de mortes no país, a periferia já soma mais registros do que os bairros de classe média e alta. As UTIs de quatro hospitais da Zona Leste da cidade já estão lotadas, num momento em que o estado e o país ainda vivem a fase de aceleração da epidemia — o então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta previu que o pico aconteceria entre maio e junho. Apenas no Distrito de Cidade Tiradentes foram contabilizados na semana passada quase cem casos e pelo menos 37 mortes confirmadas ou suspeitas de Covid-19.

Essa tendência se repete país afora. No Rio, segundo estado mais afetado, o novo coronavírus já é uma realidade nas favelas, onde, segundo o IBGE, vive 1,4 milhão de pessoas, ou 22,5% da população carioca. No fim do mês passado, mais da metade dos casos ainda se concentrava em bairros de classe média, mas o rápido avanço da doença sobre áreas com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é visível.

Já há casos confirmados na Cidade de Deus, Rocinha, Maré, Mangueira, no Vidigal, Caju, Jacaré, Complexo do Alemão, em Vigário Geral, Manguinhos e Acari. Pelo menos dez moradores de comunidades morreram de Covid-19.

No Norte do país, onde a epidemia assume proporções dramáticas, a precariedade é ainda mais gritante que nos grandes centros do Sudeste. Belém (PA ), por exemplo, tem mais da metade de sua população (52%) vivendo em favelas. Em todo o Brasil, são 11,4 milhões de pessoas nessa situação.

Além das conhecidas condições de insalubridade dessas áreas, preocupa o fato de o isolamento social não estar sendo respeitado. Evidentemente, é um desafio cumprir protocolos em lugares com densidade populacional bem acima da média da cidade, sem saneamento ou urbanização, onde falta água até para os cuidados básicos de higiene. Mas não há outra maneira de conter a epidemia. A quarentena vale tanto para o asfalto quanto para o morro.