Valor econômico, v.20, n.4985, 20/04/2020. Carreiras & Empregos, p. B2

 

Alunos brasileiros no exterior falam sobre a rotina no isolamento

Stela Campos

20/04/2020

 

 

Renato Vieira, 31, que teve formatura virtual e recebeu carta de Boris Johnson 

Quando Renato Vieira recebeu uma carta em seu apartamento na cidade de Manchester, na Inglaterra, assinada pelo primeiro ministro Boris Johnson no dia 6 de abril, pedindo para todos ficarem em casa, o estudante se surpreendeu e teve a certeza de que a vida dali para frente seria bem diferente.

Com o lockdown proibindo a circulação nas ruas e com o comércio e aulas do MBA já suspensas, poucos dias antes, em 1 de abril, ele já tinha vivido outra experiência inédita. Sua formatura na Alliance Manchester Business School aconteceu a distância. Para comemorar, ele e os colegas abriram uma cerveja em um encontro pelo Zoom e assistiram a um vídeo com um compacto dos melhores momentos da turma.

Cesar Abe, 41, está isolado em um quarto em uma residência estatal em Berlim

Ele é um dos muitos brasileiros, que estão fazendo cursos de pós e MBA pelo mundo, que optaram por permanecer nos países onde estudam durante a pandemia, mesmo com a opção de poderem terminar os cursos a distância no Brasil. A chegada da primavera anima os alunos que estão em regimes mais rígidos de lockdown ou em quarentena a continuarem onde estão. A incerteza sobre o futuro da economia e do que encontrarão no mercado de trabalho após o coronavírus, no entanto, está fazendo alguns estudantes ouvidos pelo Valor repensarem planos e a ponderarem se ficarão ou voltarão para Brasil depois dos cursos.

Quando terminou o MBA em março, Renato, de 31 anos, já estava na etapa final em um processo de seleção de emprego, mas teve a notícia de que a vaga tinha sido suspensa. "Pelo menos não disseram que foi cancelada", diz. Ele conta que outros colegas tiveram contratos de trabalho rescindidos ou postergados. "Uma amiga que começaria a trabalhar na Suíça em julho só vai poder começar em outubro, porque o órgão que dá vistos de trabalho lá está fechado".

Brunna Seabra, 29, está em Kellogg, mas espera comemorar o aniversário no Brasil 

Natural de Montes Claros (MG), ele diz que está tentando vagas também em empresas brasileiras. Nesses tempos difíceis, afirma que o fato de os pais estarem isolados em uma fazenda nos arredores de Belo Horizonte o tranquiliza.

Para Renato, o sistema público de saúde inglês NHS, por ser um dos mais antigos do mundo, inspira segurança para que ele ficar em Manchester. O mesmo acontece com o paulistano Cesar Abe, 41 anos, que está cursando desde janeiro o MBA na European School of Management and Technology (ESMT) em Berlim, na Alemanha. "A expectativa é que 70% da população possa contrair o coronavírus, mas isso não vai sobrecarregar o sistema de saúde, pois aqui existe a melhor taxa de leitos por habitantes da Europa", explica.

Pedro Marino, 33, que está na Espanha, teve dois colegas de classe internados 

A partir de hoje, a Alemanha começa a relaxar o regime de isolamento, o que para Cesar vai ser um alívio. Ele mora em uma residência estatal, no bairro de Mitte, no centro de Berlim, em um quarto individual, onde o único contato com outras pessoas acontece na cozinha coletiva que ele divide com cinco estudantes indianos e um tailandês. "Ando em um pequeno jardim interno e aproveito o momento das refeições para não me sentir tão sozinho", conta.

Quanto aos estudos, Cesar diz que as aulas on-line e os trabalhos em grupo continuam. Até os treinamentos de pitchs, para quem quer vender projetos para aceleradoras e investidores, estão sendo feitos on-line. "Fica faltando aquele networking que acontecia depois desses eventos e as conversas individuais", lamenta.

Karoline Trevizani, 31, na França, envia tarefas para colegas de outros países 

Pedro Marino, 33 anos, que também começou em janeiro o MBA na espanhola IE Business School, diz que a adaptação às aulas on-line aconteceu logo no começo do curso. "Em uma semana, a escola já tinha instalado câmeras em todas as salas de aula", afirma.

Pedro diz que a carga de trabalho das aulas não diminuiu por serem virtuais. "Uma prova que durava duas horas durou cinco", diz. Metade dos 44 alunos da sua turma preferiu voltar aos seus países de origem. O MBA da escola tem alunos de 65 nacionalidades. Dois colegas de sala foram internados com a covid-19. Um dos EUA e o outro de Cingapura, mas ambos preferiram se tratar em Madri. Ele não fez o teste, que é reservado para quem têm sintomas graves, mas está tranquilo porque a classe já havia se dispersado quando os casos foram notificados.

Há dez anos, a estimativa era de que existiam 5 milhões de estudantes internacionais pelo mundo e o prognóstico, antes da pandemia, era que esse número chegasse a 8 milhões em 2025, segundo matéria do "Financial Times". Agora, EUA, Reino Unido e Austrália, esperam uma queda de 50% a 75% nas matrículas de estrangeiros.

A advogada Karoline Trevizani Haken, 31 anos, de Vitória (ES), que está no último ano do mestrado (Master of Science in Global Management Global) na Neoma Business School, na cidade de Reims, na França, diz que muitos colegas estrangeiros voltaram para seus países.

Da sua turma, com 36 alunos, 30% moravam em alojamentos, o que dificulta a quarentena. "Um amigo indiano que morava em um quarto de nove metros quadrados estava quase enlouquecendo", conta. Ela mora em um apartamento com o marido, que é francês, e diz que não pensou em voltar ao Brasil por conta da pandemia, mas talvez volte depois. "O Brasil é um país mais dinâmico, aqui tudo é muito burocrático, para tomar qualquer decisão é sempre aberto um grande debate", diz.

A rotina de estudos, que já era apertada, para Karoline ficou mais intensa. Ela diz que alguns alunos estão ajudando os professores enviando as aulas virtuais para colegas de outros países em horários alternativos. "Tem gente na Colômbia e na China, que estão em fusos horários muito diferentes", diz.

O estágio obrigatório para terminar o curso foi suspenso. "Temos que apresentar um e-mail confirmando o cancelamento das empresas", conta. Para se sentir bem no isolamento, ela mantém a rotina, acorda às 7h e dorme às 22h.

Manter os cinco quilômetros de corrida diárias ao redor do lago Michigan tem sido a forma de Brunna Beccaro Seabra, 29 anos, aliviar a tensão na quarentena em Evaston, a 40 minutos de Chicago, nos Estados Unidos. Ela é aluna do MBA da Kellogg School of Management na Universidade Northwestern, onde vai acabar o curso em junho, mês em que completa 30 anos de idade.

Brunna conta que as aulas e os trabalhos mudaram rápido para o modo virtual e que não sentiu mudanças no conteúdo. Alguns estudantes de grandes escolas de negócios como a sua têm pedido o ressarcimento das mensalidades por não estarem mais recebendo aulas presenciais. "Nossa reitora (a economista Francesca Cornelli), reuniu todo mundo para falar sobre isso", conta.

A estudante, que foi cofundadora da fintech DinDin, diz que espera não precisar adiar os planos para quando se formar. "Os dias aqui têm ups and downs, mas acredito na retomada da economia", diz. Brunna se considera otimista e espera poder comemorar o término do curso e o aniversário em junho no Brasil.