Valor econômico, v.20, n.4983, 17/04/2020. Política, p. A8

 

Câmara amplia auxílio emergencial de R$ 600 e permite saque sem CPF

Raphael Di Cunto

Marcelo Ribeiro 

Mariana Ribeiro

Edna Simão

17/04/2020

 

 

A Câmara dos Deputados aprovou ontem projeto de lei que amplia o número de pessoas que poderão receber o auxílio emergencial de R$ 600, pago para trabalhadores informais por conta das medidas de isolamento social de combate ao novo coronavírus. O texto foi modificado para, por exemplo, impedir que os bancos descontem automaticamente do benefício dívidas pré-existentes e, por isso, terá que passar por outra votação no Senado antes de ir para sanção.

Os deputados aprovaram emenda do líder do PSB, Alessandro Molon (RJ), para proibir a exclusão do programa por irregularidades no CPF (como não ter votado nas eleições anteriores). Para receber o auxílio, poderá ser apresentado outro documento, como RG ou carteira de trabalho. Segundo o líder do governo na Câmara, deputado Vítor Hugo (PSL-GO), o Executivo aceitou isso por causa das enormes filas nas agências da Receita para regularizar o CPF, mas que 8 milhões de pessoas já corrigiram o problema e a proposta será discutida até a votação no Senado ou sanção para evitar fraudes.

A votação ainda não tinha terminado até o fechamento desta edição porque faltava analisar emendas da oposição ao projeto, mas o texto tinha apoio de todos os partidos para ser aprovado. A nova proposta ampliará os gastos em R$ 10 bilhões, segundo o Ministério da Economia.

A principal mudança do projeto é permitir que pessoas que tiveram rendimentos tributáveis acima de R$ 28,5 mil em 2018 - e, portanto, precisaram declarar imposto de renda no ano passado - não serão mais excluídas do programa. O secretário de Previdência, Narlon Gutierre Nogueira, afirmou que o fim dessa trava ampliará em cerca de 7,5 milhões o número de beneficiários.

Outra alteração é permitir que os pescadores artesanais recebem o auxílio nos meses em que não for pago o seguro defeso - a lei em vigor exclui quem já recebe outros benefícios do governo, com exceção do Bolsa Família. O projeto também deu direito as mães adolescentes, único caso em que será permitido o pagamento para menores de 18 anos.

O texto mantém a vedação a que trabalhadores formais (com carteira assinada) possam receber o auxílio, mas libera no caso dos empregados rurais contratados para a colheita por safra, os domésticos e os intermitentes (que não tem uma jornada fixa de trabalho) com renda inferior a um salário mínimo (R$ 1045).

O projeto também corrigiu um erro da lei em vigor, ao permitir que os pais que cuidam sozinhos da família também possam receber uma "cota dupla", de R$ 1,2 mil, assim como as mulheres que são chefes de família.

O auxílio servirá para ajudar as famílias de menor renda a ficarem em isolamento enquanto não acabam as medidas restritivas contra o coronavírus. Serão R$ 600 por três meses. A lei em vigor foi aprovada pelo Congresso há três semanas, mas os senadores quiseram fazer "ajustes" no texto da Câmara e, para não atrasar os pagamentos, fizeram um novo projeto, votado agora.

Os deputados passaram grande parte da tarde em discussões sobre a inclusão de categorias numa lista de beneficiários, com o objetivo de atender bases eleitorais. Assim, entraram como beneficiários "as baianas do acarajé", quilombolas, assentados da reforma agrária, manicures, esteticistas e até "o vendedor de cachorro quente que ficava na frente da igreja". Na prática, contudo, técnicos dizem que essas categorias de trabalhadores informais já estavam contempladas caso preenchessem os requisitos: renda familiar de até R$ 3.135 ou per capita de R$ 522,50 e não ter emprego formal até 20 de março.

Os deputados rejeitaram dois pontos que preocupavam a equipe econômica por ampliaram em R$ 134 bilhões os gastos do governo: para ampliar as regras de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e para criar um programa de proteção ao emprego (e que será tratado na Medida Provisória 936).

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Senado deve mudar MP trabalhista

Renan Truffi

17/04/2020

 

 

O governo Jair Bolsonaro articula uma maneira de garantir a votação da medida provisória (MP) do Contrato Verde e Amarelo antes que a matéria caduque no Congresso. O impasse é porque o Senado insiste em modificar trechos que tratam principalmente das relações trabalhistas, o que obriga o retorno da MP para a Câmara. Caso isso aconteça, de fato, os deputados precisarão avaliar essas mudanças até segunda-feira, 20, último dia antes de o texto perder a validade.

Por conta desse cenário, os líderes do governo têm negociado para que o relator da MP no Senado, Rogério Carvalho (PT-SE), compartilhe as discussões com o relator da Câmara, deputado Christino Aureo (PP-RJ). A ideia é que assim a MP chegue à Câmara com menos resistência e, deste modo, tenha uma votação mais célere.

O contrato "verde e amarelo" foi proposto pelo governo em dezembro para desonerar a folha de salários e, com isso, estimular a contratação de jovens entre 18 e 29 anos que nunca tiveram emprego formal. Mas traz em seu conteúdo também uma série de dispositivos que estão sendo chamados de "minirreforma trabalhista" pelos parlamentares.

A Câmara já havia atenuado alguns desses itens, como, por exemplo, a liberação do trabalho aos domingos e feriados sem necessidade de acordo com o sindicato da categoria e compensação. Esse proposta acabou sendo retirado da versão final. Ainda assim, há uma forte resistência entre senadores de centro ao texto elaborado pelo governo. Eles rejeitam implementar mais mudanças trabalhistas num momento de pandemia provocada pelo coronavírus. "Está incomodando o Senado o fato de a faca do governo estar afiada somente para um lado, o da classe trabalhadora", disse uma fonte que participa das negociações.

Além disso, algumas bancadas defendem ajustes que promovam mais liquidez para as empresas. Nesse sentido, um dos itens que pode ser alvo de novas alterações é o que trata da correção monetária em débitos trabalhistas. Há ainda ajustes quanto aos depósitos judiciais decorrentes de ações trabalhistas, que hoje são feitos em um fundo, mas podem passar a ser oferecidos como seguros. Desta forma, o dinheiro retornaria para o caixa das empresas.

Outra solução que chegou a ser discutida para sanar o problema de prazo foi um possível "fatiamento" da MP. Nessa alternativa, os senadores votariam a favor apenas dos artigos que regulam a contratação de jovens para o primeiro emprego formal. O restante do texto, incluindo a "minirreforma trabalhista", retornaria para a Câmara. O maior obstáculo para essa alternativa é o regimento interno e as regras constitucionais. Isso porque esse tipo de fatiamento somente é permitido quando se trata de proposta de emenda constitucional, ou seja, PEC. Por conta disso, o governo e as bancadas recorreram à assessoria técnica do Congresso para tentar viabilizar essa possibilidade no campo jurídico.

Questionada, a Secretaria-Geral da Mesa do Senado respondeu que "não há estudos prontos sobre essa proposta", mas que "se as mesas das duas Casas demandarem", a SGM "irá elaborar o estudo sobre o assunto o mais rápido possível".

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Senadores articulam novo texto para ajuda a Estados 

17/04/2020

 

 

O Senado decidiu que vai trabalhar na elaboração de um novo texto para o projeto que trata do socorro emergencial aos Estados e municípios. A mudança de rumos agradou o governo federal, mas tende a colocar a Casa em rota de colisão com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e seu grupo político. O motivo é a disputa por legitimidade. Os senadores acreditam que, por representarem a Casa da federação, devem ter preferência para discutir assuntos relativos aos governos Estaduais e prefeituras.

Na prática, ao estruturar uma nova proposta, o Senado ganha a possibilidade de dar a palavra final sobre o projeto, o que não aconteceria se os senadores apenas modificassem o texto que já foi aprovado pela Câmara. Para isso, o substitutivo construído pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), e referendado pelos deputados no início da semana, foi apensado a um outro projeto similar, mas de autoria do vice-presidente da Casa, Antonio Anastasia (PSD-MG).

A estratégia foi articulada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), junto aos líderes partidários. Ainda assim, eles dizem que o novo texto terá como base justamente as mudanças que foram propostas pela Câmara. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), também tratou de acalmar governadores e prefeitos ao dizer que toda essa nova tramitação será feita em até duas semanas, para que os recursos possam chegar aos Estados no início de maio.

"O que todos querem é que essa construção possa ser feita de forma célere, rápida, porque o dinheiro tem que chegar até o final do mês de abril ou início de maio, porque os Estados vão ter dificuldade para pagar a folha. Pagar a folha e a previdência é um problema real. Temos que trabalhar para irrigar as contas dos Estados, mas através de critérios justos", disse Bezerra, em entrevista a rádios pernambucanas. Ele emendou dizendo que será definido um novo valor de repasse aos governadores, contrariando o que já havia sido definido pelos deputados, e obedecendo "critérios mais justos".

Essa definição irritou Rodrigo Maia. O presidente da Câmara reconheceu que demorou a pautar projetos dos senadores, o que tem gerado o conflito entre as duas Casas, mas defendeu que os senadores desistam da "manobra". Para ele, isso "não tem como funcionar" e é melhor os senadores negociarem com a Câmara. "Se trocar o projeto vai ficar num impasse. Os deputados podem ficar sem vontade de votar o projeto do Senado e os senadores sem vontade de votar o da Câmara. E quem sai prejudicado? A sociedade, que precisa do atendimento de saúde das cidades e dos Estados no enfrentamento ao coronavírus", afirmou.

Nesse conflito, Maia tem ao seu lado a pressão exercida pelos chefes dos Executivos estaduais. Vinte e cinco governadores do país redigiram ontem e enviaram à presidência do Senado uma carta com apelos para que aprovem integralmente o projeto de lei complementar que assegura auxílio financeiro da União a Estados e municípios para o combate do coronavírus.

"A imediata aprovação do referido projeto constitui, assim, forma eficiente de evitar uma perturbação generalizada e salvar numerosas vidas. Afinal, a demora na apresentação de soluções concretas é o nosso maior inimigo depois do vírus", destaca trecho do documento.

O projeto aprovado pela Câmara determina uma recomposição pela União da queda da arrecadação do ICMS e do ISS, por seis meses. O texto foi aprovado à revelia da equipe econômica porque tem um impacto fiscal de R$ 89,6 bilhões. O texto também prevê a suspensão do pagamento dos empréstimos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal de março a dezembro deste ano. Além disso, os deputados determinam que os recursos do auxílio financeiro devem ser destinados a ações que mitiguem os impactos da pandemia.