Valor econômico, v.20, n.4982, 16/04/2020. Política, p. A6

 

Mandetta usa Planalto para se despedir 

Fabio Murakawa 

Marcelo Ribeiro

Rafael Bitencourt

Matheus Schuch

16/04/2020

 

 

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta reconheceu ontem que está prestes a deixar cargo por divergências com o presidente Jair Bolsonaro e fez do Palácio do Planalto o palco de sua despedida do governo, em uma coletiva transmitida ao vivo pela TV.

Nos bastidores, fontes afirmam que o desligamento de Mandetta deve acontecer ainda hoje. A equipe do ministro está ciente de que sua permanência no cargo se alonga no máximo até a sexta-feira.

Com a demissão dada como certa, o ministro surpreendeu repórteres e funcionários do Palácio do Planalto ao aparecer ontem para participar do balanço diário dos casos de covid-19 no país.

A Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência havia avisado aos jornalistas que não haveria perguntas no evento. Mas Mandetta transformou o que seria uma divulgação burocrática de dados com perguntas pré-enviadas por e-mail em uma entrevista coletiva dinâmica e com vários pontos polêmicos.

"Eu não estou ministro por obra de nada diferente do que do presidente. E ele claramente externa que quer um outro tipo de posição por parte do Ministério da Saúde, que eu, baseado no que nós recebemos, baseado em ciência, tenho esse caminho para oferecer", afirmou. "Fora desse caminho, tem que achar alternativas. E tem muita gente muito boa, gente muito experiente."

Mandetta aproveitou para cutucar o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), que foi flagrado em uma conversa com o ministro Onyx Lorenzoni (Cidadania) defendendo a sua demissão. Na mesma fala, criticou a defesa feita pelo presidente do chamado isolamento vertical - de pessoas idosas ou com doenças crônicas.

"Isso [desentendimento com Bolsonaro] é uma coisa pública. Não é só o presidente. Existem outras pessoas. Eu tenho ex-secretários de Saúde que verbalizam diariamente que acham que o caminho é outro, [como] o deputado Osmar Terra", disse. "Existem pessoas que criam essas teorias de vertical, horizontal, não sei de onde vêm essas ondulações."

Em uma espécie de balanço de sua gestão, Mandetta disse ainda que "até aqui, nós fizemos um trabalho muito elogiado por Banco Mundial, Organização Mundial da Saúde, os números [de mortes] que nós conseguimos domar, nós achamos que está bem".

Ele também anunciou que não aceitava a demissão pedida horas antes pelo secretário nacional de Vigilância, Wanderson de Oliveira, que estava ao seu lado. "Entramos no ministério juntos, estamos no ministério juntos e sairemos do ministério juntos", disse.

Também à mesa, o secretário-executivo da pasta, João Gabbardo, disse que não aceitaria substituir Mandetta caso fosse convidado por Bolsonaro, como vinha sendo especulado até então.

"Eu conheci o ministro Mandetta em dezembro de 2018. Eu fui convidado na transição [...] e eu tenho um compromisso com o ministro Mandetta. "O dia em que ele sair, eu saio com ele", afirmou. "Eu entrei no Ministério da Saúde em 1981. Ano que vem eu completo 40 anos de Ministério da Saúde. Eu não vou jogar no lixo esse meu patrimônio."

Gabbardo ponderou que continuaria no posto "durante todo o tempo que for necessário para fazer a transição com toda a tranquilidade" - algo que Wanderson também disse que faria.

Na entrevista, Mandetta também criticou o uso indiscriminado da hidroxicloroquina, defendida por Bolsonaro como uma solução para a covid-19.

"Ou você se baseia na ciência ou fica no 'eu acho', 'na minha experiência', 'eu tenho visto muitos casos', 'a impressão que eu tenho'", disse. "Em ciência é a pior evidência, os estudos de relatos de caso são os mais frágeis."

Horas antes da coletiva, em conversa com deputados da comissão externa que debate ações de combate ao coronavírus, Mandetta, afirmou ontem estar consciente de que será dispensado assim que o presidente Jair Bolsonaro definir seu sucessor. Filiado ao DEM, ele disse que está deixando "tudo organizado" para que seu substituto assuma a pasta sem ter a necessidade de um longo período de adaptação.

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Teich e Kalil são cotados para troca

André Guilherme Vieira

Andrea Jubé

Beth Koike

Fabio Murakawa

16/04/2020

 

 

Com a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde dada como certa, o presidente Jair Bolsonaro passou o dia em conversas políticas em busca de um substituto.

Os mais cotados são médicos que dariam viés técnico à escolha e têm perfil conservador. Foram mencionados com ênfase ontem o cardiologista Roberto Kalil Filho e o oncologista Nelson Sperle Teich. Parte da equipe de governo defende que Bolsonaro coloque na pasta um médico que possa fazer frente ao governador paulista João Doria (PSDB) e seu coordenador para a pandemia, o infectologia David Uip. O Estado de São Paulo é um defensor do isolamento horizontal, modelo combatido no Palácio do Planalto.

Também se buscam nomes que defendam a hidroxicloroquina, medicação para malária usada como coadjuvante no tratamento da covid-19, com eficácia terapêutica ainda a ser comprovada.

O cardiologista Roberto Kalil Filho é diretor-geral do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês, mesmo empregador de Uip, e passou a se relacionar com o presidente Jair Bolsonaro depois que revelou, na semana passada, ter tomado hidroxicloroquina ao ser hospitalizado com o diagnóstico de covid-19.

Na quarta-feira, dia 8, Bolsonaro parabenizou o médico pela decisão de usar a cloroquina, durante pronunciamento realizado em cadeia nacional de rádio e TV. Ambos se falaram por telefone e passaram a trocar mensagens e telefonemas. Kalil também é médico do apresentador José Luiz Datena, jornalista próximo ao presidente. Bolsonaro indagou a Datena sobre Kalil, e ouviu elogios do apresentador ao cardiologista. Procurado, Kalil não respondeu à reportagem.

De acordo com um empresário amigo de Bolsonaro e Kalil, os dois "conversam" por WhatsApp com frequência desde então. Bolsonaro teria pedido a aliados próximos que "levantassem a ficha" do cardiologista, que já foi o médico da Presidência da República durante os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. O pai de Kalil, Roberto, era amigo do ex-presidente militar João Baptista Figueiredo.

O relacionamento começou antes que o general fosse alçado à Presidência. Os dois se conheceram na hípica de São Paulo, clube tradicional fundado pelo avô do cardiologista. Há décadas a família de Kalil também mantém amizade com o ex-prefeito de São Paulo e ex-deputado federal Paulo Maluf. O Sírio-Libanês é uma das entidades científicas brasileiras que atuam no desenvolvimento de uma vacina para o Sars-Cov-2.

O oncologista carioca Nelson Sperle Teich deve ser recebido hoje por Bolsonaro, que começa a se encontrar com os mais cotados. Ele tem o respaldo do ministro da Economia, Paulo Guedes, do secretário especial de Comunicação Social, Fabio Wajngarten e de empresários bolsonaristas.

Segundo uma fonte que acompanha as sondagens, Teich foi apresentado a Bolsonaro por Guedes durante a campanha eleitoral. Ele chegou a ser cogitado para o cargo, mas perdeu a disputa para Mandetta, apadrinhado político do então governador eleito Ronaldo Caiado (DEM) - à época um forte aliado de Bolsonaro - e do ministro Onyx Lorenzoni (DEM), que chefiava a Casa Civil e hoje ocupa o Ministério da Cidadania.

Além do apoio de Guedes, Teich tem a simpatia de Wajngarten, do empresário Meyer Nigri, dono da empresa de construção civil Tecnisa e integrante do núcleo próximo do presidente, e de empresários da área de saúde privada.

Bolsonaro quase formalizou o convite ao médico e empresário presidente do Conselho do Hospital Israelita Albert Einstein, Claudio Lottenberg, ex-secretário municipal da Saúde de São Paulo por três meses, em 2005, na gestão José Serra. No entanto, o médico dirige o Lide Saúde, do grupo empresarial fundado pelo governador João Doria (PSDB), que se tornou desafeto do presidente e é hoje seu principal adversário político.

Recém-filiado ao DEM, Lottenberg postula a vice na chapa de Bruno Covas (PSDB) à reeleição para a Prefeitura de São Paulo, mas aceitará o convite se for chamado por Bolsonaro, conforme declarou em uma 'live' organizada ontem pelo Fórum da Liberdade. Durante a live, o presidente do conselho do Einstein defendeu ainda isolamento social com ajuda de testagem em massa e uso de tecnologias que detectem os grupos de risco. Para ele, não faz sentido promover isolamento social em todas as localidades e categorias de trabalho.

Ainda integra a relação de cotados para o Ministério a médica Nise Yamaguchi, uma das principais defensoras da cloroquina no governo. Ela é irmã de Naomi Yamaguchi, que fez parte do gabinete de transição do Ministério da Educação coordenado por Ricardo Vélez. Nise foi candidata a deputada federal pelo PSL, mas não se elegeu.

Bolsonaro também autorizou a sondagem da cardiologista e pesquisadora goiana Ludhmila Hajjar, diretora de ciência e inovação da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Mas ela teria hesitado por considerar a empreitada um desafio muito grande, conforme relato de uma fonte.

O ex-ministro e deputado federal Osmar Terra (MDB) segue com o apoio da ala mais ideológica do governo. É o principal crítico no Brasil ao isolamento horizontal e por várias ocasiões minimizou a gravidade da pandemia. Terra foi flagrado recentemente em uma conversa com Onyx em que tratavam abertamente da conveniência da demissão de Mandetta. Desde então, sua cotação baixou na bolsa de apostas. Há temores de que sua indicação provoque forte repercussão negativa.

Já o secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo, foi praticamente descartado do páreo depois de afirmar ontem, em entrevista coletiva, que deixará a função juntamente com Mandetta na hipótese de ser confirmada a saída do atual ministro.

Ex-secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, Gabbardo é um quadro técnico, de perfil discreto e sem ambições eleitorais. Tem posições mais flexíveis que as de Mandetta em relação a medidas restritivas aplicadas por Estados e municípios. Ele tem a simpatia dos militares e é visto como uma troca menos traumática.

O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o médico e contra-almirante da Marinha Antônio Barra Torres, também tem respaldo da ala militar do Planalto e continua sendo uma aposta. Seu maior trunfo é a proximidade com o presidente da República.

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Com alta popularidade, ministro tem demissão rejeitado por 76,2%

Cristiane Agostine 

16/04/2020

 

 

A iminente demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, é rejeitada por 76,2% dos pesquisados pela consultoria Atlas Político, segundo pesquisa divulgada ontem. O ministro é o mais bem avaliado integrante do governo Jair Bolsonaro e tem amplo respaldo da população na defesa de medidas de isolamento social: 72,2% apoiam a quarentena durante a crise do novo coronavírus, mesmo depois de terem a queda nos rendimentos, que é relatada por 51,6%.

Apesar das críticas do presidente Bolsonaro à atuação do ministro, Mandetta é avaliado de forma positiva por 64% dos entrevistados e de forma negativa por 17% - a menor rejeição entre os integrantes do governo.

A avaliação da imagem de Mandetta é melhor do que a do ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), que é visto de forma positiva por 53% e de negativa por 37%, e do que a do presidente. Bolsonaro tem 39% de avaliação positiva e de 55% de negativa.

A pesquisa confirma não só o apoio popular ao ministro, mas também a queda de popularidade de Bolsonaro. O governo registrou sua pior avaliação desde fevereiro de 2019, com 43% dos entrevistados avaliando a gestão como ruim ou péssima, 30% como regular e 23% como ótima ou boa. As críticas ao presidente cresceram junto com o aumento do número de casos de covid-19 no país: em fevereiro, a avaliação negativa era de 38%, aumentando para 41% em março até chegar aos 43% de abril.

A atuação pessoal do presidente é reprovada por 58,2% dos entrevistados e aprovada por 37,6%. O impeachment de Bolsonaro, no entanto, não é um consenso entre os entrevistados: 46,5% são a favor, 43,7% contra e 9,8% não souberam responder.

A pesquisa, online, foi realizada com 2 mil pessoas entre domingo e terça-feira. No domingo, Mandetta deu uma entrevista ao Fantástico, da TV Globo, cobrando do presidente unidade nas ações e nos discursos. A margem de erro é de dois pontos percentuais e o nível de confiança é de 95%.

No início de abril, pesquisa doDatafolha já identificava que a aprovação do Ministério da Saúde havia disparado e que é o dobro da avaliação de Bolsonaro. A atuação do ministério é aprovada por 76% da população enquanto o presidente recebeu aprovação de 33%.

O impacto da crise do novo coronavírus sobre o emprego e renda é sentido pela população. A pesquisa da Atlas Político registrou que 12,3% dos entrevistados perderam o emprego, 51,6% viram a renda mensal cair e 36,1% disseram que ainda não tiveram a redução dos rendimentos.

Os entrevistados afirmaram que têm mais medo de perder um amigo ou parente por covid-19 do que perder a própria vida. Segundo a pesquisa, 86,2% temem a morte de um amigo ou familiar e 13,8% não têm esse medo. Perguntados se temem ser contaminados pelo novo coronavírus, 41,9% disseram ter medo de morrer e 31% de ficar doente, e 27,1% não têm receio.