Valor econômico, v.20, n.4981, 15/04/2020. Política, p. A6

 

Planalto tenta esvaziar poder de Maia

Andrea Jubé

Marcelo Ribeiro

Raphael Di Cunto

15/04/2020

 

 

A ofensiva do Palácio do Planalto sobre os partidos do Centrão na última semana busca esvaziar os poderes do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e neutralizar a percepção de que o presidente Jair Bolsonaro estaria isolado politicamente em meio à crise do coronavírus.

Bolsonaro também não assimilou as críticas do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ao governo. Recuperado da covid-19, depois de sofrer 15 dias com a doença, Alcolumbre telefonou para ministros palacianos advertindo que a demissão de seu correligionário, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, complicaria a relação do palácio com o Legislativo.

No entanto, pela postura de moderação, o Planalto ainda o vê Alcolumbre como o interlocutor preferencial no Legislativo e no DEM. Por isso, enquanto Alcolumbre tomou café da manhã com Bolsonaro ontem no Palácio da Alvorada, no meso dia, Maia voltou a criticar a falta de diálogo do governo com o Congresso.

“O problema é que você entra por uma porta e, quando sai, leva um coice. Essa é a relação que o governo tem tido com os políticos do Congresso desde que assumiu o poder”, disse Maia.

Foi a resposta aos jornalistas quando indagado se perdeu o papel de articulador do governo no Congresso, que desempenhou com protagonismo na reforma da Previdência.

“Não cabe a mim organizar a base do governo, mas, com todo respeito, se não fosse o trabalho da presidência da Câmara com os líderes, nós não teríamos aprovado muitas matérias, inclusive a reforma da Previdência”, alfinetou.

Com a mediação do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, que afinou a relação com os partidos de centro, Bolsonaro reuniu-se, a sós, com o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), o presidente do Republicanos e primeiro vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (SP) e o líder do PL, deputado Wellington Roberto (PB). Convidado por Ramos, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse que irá ao Planalto quando estiver em Brasília.

Bolsonaro não fez gestos para reconstruir as relações com o DEM. O presidente do partido e prefeito de Salvador, ACM Neto, não foi convidado para essa rodada de conversas no Planalto com dirigentes partidários.

Ramos e o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), convocaram uma reunião com lideranças de bancadas para discutir a votação do projeto de socorro emergencial aos Estados e municípios. Maia não foi chamado.

Ao Valor, Major Vitor Hugo, negou que o Planalto queira isolar Maia. “Queremos ter uma relação direta com os partidos e os líderes, para que não haja ruídos na comunicação. Estamos nos aproximando dos líderes e dos partidos, como é normal”, afirmou.

Mas parlamentares bolsonaristas disseram ao Valor que o presidente estaria irritado com as manobras de Maia para impor derrotas ao governo em votações estratégicas, como a proposta de emenda constitucional (PEC) do Orçamento de Guerra e o projeto de socorro emergencial aos Estados e municípios.

Para Bolsonaro, o DEM -- partido de Maia, Alcolumbre e do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta - estaria sendo “oportunista” e usando a pandemia para fazer “palanque eleitoral”. O desgaste com Mandetta e o rompimento do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), com o Planalto reforçaram essa percepção.

Contudo, a investida de Bolsonaro sobre o Centrão pode não ter efeito prático. Essas bancadas não seguiram o governo na votação do projeto de socorro aos Estados. E não retiraram apoiamentos à continuidade da CPMI das Fake News, que incomoda Bolsonaro. A avaliação de políticos experientes é de que será inócuo Bolsonaro exigir fidelidade dos partidos de centro sem entregar ministérios, como nos governos de coalizão. “É cobrar lealdade de casado com vida de solteiro”, repete nos bastidores um dos líderes do Centrão.