Valor econômico, v.20, n.4981, 15/04/2020. Política, p. A6

 

Sem partido, Bolsonaro fica isolado no painel

Raphael Di Cunto

Marcelo Ribeiro

15/04/2020

 

 

Primeiro embate entre governo e a Câmara desde o início da pandemia, a aprovação do projeto de socorro financeiro aos Estados e municípios, que obrigará o governo a compensar a queda na arrecadação de ICMS e ISS, aponta que o presidente Jair Bolsonaro terá sérias dificuldades para avançar com seus projetos na Câmara após as ações de combate ao coronavírus e expôs a perda de força no plenário devido ao rompimento com seu antigo partido, o PSL.

O líder do governo na Câmara, deputado Vítor Hugo (PSL-GO), orientou contra o projeto, dizendo que o impacto é o dobro do esperado pelo Ministério da Economia e não exige contrapartida dos governadores e prefeitos, mas ficou isolado no painel de votação. Nenhum partido acompanhou a posição do Executivo.

Ao Valor, ele disse que a votação foi "um ponto fora da curva" porque os deputados não queriam ser acusados de votar contra prefeitos e governadores.

Foram 431 votos a favor do projeto, com somente 70 contrários. No Centrão, grupo informal de partidos que Bolsonaro tenta reconquistar agora, o governo teve apenas 8% dos votos. Só 19 dos 234 parlamentares desse bloco votaram contra a proposta, enquanto 210 foram favoráveis - os demais estavam ausentes e não registraram voto.

O placar expõe que o número "fiel" a Bolsonaro nesses partidos é limitado a aliados mais antigos, como delegado Éder Mauro (PSD-PA) ou Pedro Lupion (DEM-PR). No MDB, por exemplo, só dois dos 31 deputados votaram contra: Osmar Terra (RS) e Rogério Peninha (SC). Fora dessas siglas, também houve apoios pontuais, como Marco Feliciano (sem partido-SP) e Otoni de Paula (PRTB-RJ).

Dentre os 70 deputados que se aliaram à posição do governo, vários o fizeram por motivos próprios. Daniel Coelho (Cidadania-PE), pré-candidato em Recife e adversário do grupo que controla a prefeitura e o governo estadual, reclamou que sem contrapartidas a proposta "beneficia gestores públicos que não tratam o dinheiro do contribuinte com zelo".

Na bancada de São Paulo, que deu 14 votos contra o projeto, os que não são bolsonaristas ferrenhos (como os quatro do PSL) votaram contra a forma de distribuição do dinheiro. "Somos o Estado mais atingido. O ideal não seria distribuir pelo tamanho da população", diz o deputado capitão Augusto Rosa (PL-SP).

A briga de Bolsonaro com o PSL aumentou as dificuldades e deixou o Executivo sem um partido próprio para propor requerimentos de obstrução ou emendas para mudar a proposta. Depende de outras siglas, que podem ou não estar alinhadas ao governo em cada votação. O Novo exerceu esse papel em alguns momentos, mas nesse projeto se dividiu e a maioria apoiou a proposta. A sigla comanda o governo de Minas Gerais.

Já no PSL, 35 dos 53 deputados votaram contra o projeto, mas a líder da legenda, Joice Hasselmann (SP), declarou voto a favor. Próxima de Maia, ela foi escanteada da liderança do governo no Congresso no ano passado e, desde então, virou uma adversária do presidente. Joice se manifestou contra a primeira versão do projeto, que tinha impacto maior e para os próximos anos, mas votou a favor da nova versão. Só quatro dos deputados que ficarão no PSL, disse ela, votaram contra, por "questões locais e brigas com os governadores". O governo, afirmou Joice, está "totalmente sem base" e conta com apoio formal de "meia dúzia de gatos pingados, que estão completamente perdidos".