Valor econômico, v.20, n.4981, 15/04/2020. Política, p. A8

 

Bolsonaro diz que é ele quem manda; Mandetta se cala

Fabio Murakawa

Matheus Schuch 

15/04/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro usou uma reunião ministerial ontem no Palácio do Planalto para enviar recados para o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, com quem vem se desentendendo sobre a condução dada pelo governo à crise provocada pelo coronavírus. Falando aos 31 ministros, presidentes de bancos públicos e diretores de agências presentes, Bolsonaro disse ele é o presidente da República e que é dele o papel de "conciliar visões" sobre diferentes impactos da crise na saúde, na economia e em outras áreas.

O presidente afirmou que todos os assuntos de diferentes pastas passam por seu crivo. E disse que é ele quem tem que arbitrar quando há conflitos, por exemplo, entre interesses sanitários, sociais e econômicos.

"Se algum ministro discordar de mim em alguma coisa, tudo bem, é um direito. Mas o presidente da República sou eu", disse Bolsonaro, sem dirigir a palavra diretamente a Mandetta, segundo relatos feitos ao Valor por duas pessoas presentes ao encontro.

A fala foi entendida por ministros como um recado do presidente de que quem está no comando da crise é ele.

Mandetta, por sua vez, permaneceu calado no encontro. Responsável pela articulação dos ministérios, Walter Souza Braga Netto (Casa Civil) estipulou que quem quisesse falar durante a reunião ministerial teria que fazer-lhe um pedido com antecedência.

"O Mandetta não se manifestou. Entrou mudo e saiu calado", disse um dos presentes.

Na visão de ministros e fontes palacianas, a situação de Mandetta à frente do cargo segue frágil. A entrevista concedida ao "Fantástico" no domingo foi vista como uma provocação do ministro ao presidente.

Na ocasião, Mandetta disse que a população está confusa sobre se segue as suas orientações ou as de Bolsonaro. E criticou idas de pessoas a padarias três dias depois de Bolsonaro ter parado em uma delas em Brasília para tomar um cafezinho, provocando aglomerações.

Ministros militares, que vinham atuando como fiadores da permanência de Mandetta, se irritaram com as declarações e o apoio a ele dentro do governo minguou. Mas a expectativa não é a de uma demissão iminente. A tendência é que Bolsonaro demita o auxiliar assim que o pior da crise sanitária passar, na avaliação de pessoas próximas ao presidente.

Ministros de outras áreas, reservadamente, também criticam o comportamento do colega.

"Vaso quebrado é difícil de emendar", disse um ministro. "Ele não agiu corretamente."

Flagrado na semana passada defendendo a demissão de Mandetta em uma conversa privada com o deputado Osmar Terra (MDB-RS), Onyx Lorenzoni (Cidadania) esteve ontem ao dele na coletiva interministerial no Palácio do Planalto.

"O presidente Bolsonaro, de maneira corajosa, como comandante da nossa nação, faz um posicionamento de equilibrar os cuidados e as prevenções na área da saúde com as questões de sobrevivência econômica", disse Onyx. "Neste momento, em que somos afetados por essa epidemia, é muito importante posicionamento do presidente Bolsonaro, que com sensibilidade, mas com olhar para todos, não somente no presente, mas também no futuro, equilibra os cuidados, os investimentos, as condições financeiras para que a saúde brasileira possa enfrentar o desafio da covid-19."

Mandetta foi questionado na entrevista sobre se estaria forçando a própria demissão ao desafiar o chefe em um programa de TV.

"É natural que cada um de nós tenhamos uma visão atenta de suas pastas", respondeu. "É uma questão mais relacionada a como a gente se comunica."