Correio braziliense, n. 20783 , 17/04/2020. Política, p.2

 

Mudança arriscada em meio à pandemia

Renato Souza

Ingrid Soares

Augusto Fernandes

17/04/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Ao tirar Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde e nomear Nelson Teich, Bolsonaro mira a flexibilização do isolamento social, na contramão do que orientam autoridades sanitárias internacionais. Presidente diz que prepara projeto para ampliar atividades essenciais

No movimento mais incisivo até agora na sua postura de minimizar a dimensão da Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro decidiu fazer uma arriscada jogada política. Em plena pandemia, com o país chegando à casa de 2 mil mortes e mais de 30 mil infectados, o chefe do Executivo resolveu demitir seu ministro mais popular, o então titular da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e nomear para o posto o oncologista Nelson Teich.

O objetivo do comandante do Planalto é ter na função alguém que reze por sua cartilha, o que Mandetta se recusava a fazer, ao defender o isolamento social como forma de conter a disseminação do coronavírus e ao pregar cautela no uso da hidroxicloroquina no combate à doença. Teich parece se enquadrar no perfil. Na primeira entrevista como novo ministro da Saúde, disse que não pretende fazer nenhuma mudança brusca no enfrentamento ao vírus, mas avisou que está “em alinhamento completo” com Bolsonaro.

Mandetta era elogiado por especialistas em razão de sua atuação técnica, baseada em dados e nas recomendações da Organização Mundial da Saúde. Essa postura o levou a ganhar os holofotes e a se tornar um ponto de segurança em meio à guerra contra a Covid-19. A popularidade dele alcançou 76%, e ofuscou Bolsonaro, que insiste em afrouxar o isolamento social e na reabertura do comércio para movimentar a economia. A estratégia do chefe do Executivo, no entanto, é um tiro no escuro, tendo em vista o resultado de outras nações que demoraram para estabelecer uma quarentena ou flexibilizaram o isolamento, casos dos Estados Unidos e da Itália, onde o impasse entre a saúde e a economia deixa um saldo de milhares de mortes.

Ontem, Bolsonaro voltou a criticar as medidas restritivas e apontou como “exagero” as decisões tomadas por governadores e prefeitos no combate ao coronavírus. “Em nenhum momento fui consultado sobre medidas adotadas por grande parte de governadores e prefeitos. Tenho certeza de que eles sabiam o que estavam fazendo. O preço vai ser alto. Tinha que fazer alguma coisa? Tinham. Mas se, porventura, exageraram, não bote essa conta no governo federal, não bote mais essa conta nas costas do nosso sofrido povo brasileiro”, discursou.

Ele declarou que Mandetta tinha uma visão voltada exclusivamente para a área de saúde, sem avaliar os problemas econômicos. “Decisões sou obrigado a tomar, porque sempre tenho dito, dado a minha formação militar: pior do que uma decisão mal tomada é uma indecisão. Jamais pecarei por omissão”, ressaltou. “Uma pessoa desempregada está mais propensa a sofrer problemas de saúde do que uma outra empregada. E, desde o começo da pandemia, eu me dirigi a todos os ministros e falei da vida e do emprego. É como um paciente que tem duas doenças. A gente não pode abandonar uma e tratar exclusivamente outra”, frisou.

Ele falou sobre o entendimento que teve com Teich. “O que conversei com doutor Nelson: é que, gradativamente, temos de abrir o emprego no Brasil. Essa grande massa de humildes não tem como ficar presa dentro de casa. E o que é pior, quando voltar, não tem emprego. E o governo não tem como manter esse auxílio emergencial ou outras ações por muito tempo”, destacou. “Estávamos praticamente voando, no final do último trimestre. Tudo estava indo muito bem. O Brasil tinha tudo para dar certo, num curto espaço de tempo. Esse dar certo agora acontecerá, mas em um tempo mais ampliado.”

O presidente afirmou que pretende enviar um projeto de lei ao Congresso para tentar ampliar atividades comerciais consideradas essenciais. A intenção vai na contramão do que decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte barrou qualquer possibilidade da flexibilização da quarentena por meio de decreto. Os ministros entenderam que governadores e prefeitos têm autonomia para decidir sobre medidas sanitárias, mesmo que o governo federal não concorde.

Alinhamento

Ao contrário de Mandetta, Nelson Teich demonstrou apoio às intenções de Bolsonaro. Ele comentou que é preciso entender melhor a Covid-19 antes de estabelecer qualquer medida de isolamento social como forma de prevenção à doença. Além disso, frisou que “saúde e economia não competem entre si e são completamente complementares”.

O anúncio oficial de Teich como ministro da Saúde ocorreu no Palácio do Planalto. Ao lado de Bolsonaro, ele agradeceu a oportunidade de assumir o ministério “em um momento tão importante da saúde no país” e disse ser “uma honra estar aqui para ajudar o país e as pessoas”. “O que é fundamental hoje? É que a gente tenha informações cada vez maiores sobre o que acontece com as pessoas com cada ação que é tomada. Como a gente tem pouca informação e tudo é muito confuso, a gente começa a tratar ideia como se fosse fato e começa a trabalhar cada decisão como se fosse um tudo ou nada. E não é nada disso”, enfatizou.

Em entrevista à TV Record, Teich falou sobre isolamento social. “O que tenho colocado é que discussões genéricas, tipo o vertical, o horizontal, são muito superficiais. O fundamental seria que você tentasse entender, por exemplo, quantos por cento da população estão infectados, quantos estão imunizados, quanto é a transmissibilidade dessa doença”, disse. “Se não tem isso, a discussão sobre o tipo de isolamento é mais uma discussão emocional, é uma discussão de opiniões.”

Frase

“O que conversei com doutor Nelson: é que, gradativamente, temos de abrir o emprego no Brasil. Essa grande massa de humildes não tem como ficar presa dentro de casa. E o que é pior, quando voltar, não tem emprego. E o governo não tem como manter esse auxílio emergencial ou outras ações por muito tempo”

Jair Bolsonaro, presidente da República

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Novo ministro criticava isolamento vertical

Maria Eduarda Cardim

Sarah Teófilo

17/04/2020

 

 

Novo ministro da Saúde, Nelson Teich é médico oncologista e empresário. Nascido no Rio de Janeiro, formou-se em medicina pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e, mais tarde, especializou-se em oncologia no Instituto Nacional de Câncer (Inca). Atualmente, é sócio da Teich Health Care, consultoria de serviços médicos.

Antes mesmo de ser nomeado ministro, Teich já havia participado, de forma tímida, do atual governo, quando atuou como consultor da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, comandada por Denizar Vianna, entre setembro de 2019 e janeiro deste ano.

Teich também foi fundador do Grupo COI e do Instituto COI, criado em 2008 para desenvolver programas de pesquisa e educação no campo da oncologia. Em 2010 e 2011, foi consultor de Economia da Saúde do Hospital Israelita Albert Einstein.

Em recentes artigos, Teich, defendeu, assim como Luiz Henrique Mandetta, o isolamento horizontal. Para ele, “toda a população que não execute atividades essenciais precisa seguir medidas de distanciamento social”. Essa seria a melhor estratégia no momento, de acordo com o texto publicado por ele em 3 de abril.

Para justificar a opinião, Teich citou a falta de informações completas do comportamento do vírus e a possibilidade de o Sistema Único de Saúde não ser capaz de absorver a alta demanda de pacientes. “O isolamento horizontal é uma estratégia que permite ganhar tempo para entender melhor a doença e para implantar medidas que permitam a retomada econômica do país”, escreveu.

Nos artigos, o novo ministro também defende a necessidade de testes em massa para definir melhor as estratégias diante da Covid-19. No entanto, Mandetta e a equipe afirmavam repetidamente a falta de testes que o Brasil e outros países enfrentavam. Teich criticou também a abordagem dividida e antagônica entre a saúde e a economia. Para ele, a polarização criada é um “erro grave na avaliação do problema trazido pela Covid-19”. “Uma situação de competição pode gerar grande ineficiência na capacidade de interpretar a evolução da situação e na capacidade de ajustar o sistema de saúde e o dia a dia das pessoas adequadamente”, pontuou.

Em um dos textos, ele mencionou outro ponto importante: a relação entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Para ele, é preciso ter alinhamento entre os três. O governo Bolsonaro, no entanto, não demonstra tal harmonia e já protagonizou desavenças com o Congresso Nacional e com o Supremo Tribunal Federal.

Polêmica

Teich já teve o nome envolvido em polêmicas após falar sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) em um vídeo gravado após a participação dele no 9º Fórum Nacional Oncoguia, em Brasília, em abril de 2019. Ele abordou as dificuldades do SUS com a gestão de recursos escassos. “Como você tem dinheiro limitado, você vai ter que fazer escolhas. Vai ter que definir onde você vai investir. Eu tenho uma pessoa mais idosa que tem uma doença crônica avançada e ela teve uma complicação. Para ela melhorar, eu vou gastar praticamente o mesmo dinheiro que eu vou gastar em um adolescente que está com problema. O mesmo dinheiro que eu vou investir. É igual. Só que essa pessoa é um adolescente, que vai ter a vida inteira pela frente e outra é uma pessoa idosa, que pode estar no fim da vida. Qual vai ser a escolha?”, questionou, na publicação.

Frase

“O isolamento horizontal é uma estratégia que permite ganhar tempo para entender melhor a doença e para implantar medidas que permitam a retomada econômica do país”

Trecho de artigo de Teich antes de se tornar ministro