Correio braziliense, n. 20783 , 17/04/2020. Política, p.3

 

Bolsonaro ataca Maia, e deputado fala em "flores"

Ingrid Soares

Alessandra Azevedo

17/04/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro atacou abertamente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ontem à noite, em entrevista à CNN Brasil. Ao comentar sobre projetos na economia e a verba prevista no plano de socorro aos estados, aprovado por deputados e que agora tramita no Senado, o chefe do Executivo disparou: “O que nós projetamos na economia para a Previdência praticamente foi engolido em poucos meses. Eu lamento a posição do Rodrigo Maia, que resolveu assumir o papel do Executivo com ataques bastante contundente à nossa posição. Ele tem que entender que ele é o chefe do Legislativo. Eu respeito ele (sic), e ele tem de me respeitar como chefe do Executivo. O senhor Rodrigo Maia é uma pessoa que resolveu não conversar com mais ninguém”.

Ele seguiu nos disparos contra Maia: “Não pode agir dessa maneira, pegar e jogar todos os governadores contra mim, fazendo uma pressão, agora, para que o Senado aprove essa proposta que está aí sem contrapartida. A gente não sabe a quanto pode chegar essa despesa. Vai ultrapassar R$ 100 bilhões. A gente não aguenta isso”.

O presidente questionou a motivação do presidente da Câmara com o projeto. “Qual é o objetivo do senhor Rodrigo Maia? Resolver o problema ou atacar o presidente da República? O sentimento que eu tenho é que ele não quer amenizar os problemas, combater o vírus e não deixar que a economia vá para o espaço. Ele quer atacar o governo federal, enfiando a faca no governo federal, no sentido figurativo, para resolver os problemas de outro lado”, acusou. “Agora, se isso tudo for aprovado, e outras coisas virão, pela forma como está se comportando, vão matar a galinha dos ovos de ouro, que é o Brasil.”

Segundo Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não tem mais contato com Maia. “Ele (presidente da Câmara) é o dono da pauta. A gente apela para ele. Parece que a intenção é me tirar do governo. Quero crer que esteja equivocado, mas os números mostram isso daí”, afirmou. “Parece que a intenção é outra por parte do Rodrigo Maia, que ele está conduzindo o Brasil para o caos. Não temos como pagar uma dívida monstruosa que está aí, não temos recursos. Qual é a intenção? É esculhambar a economia para enfraquecer o governo, para que eles possam voltar em 2022? Eu não estou pensando em política.”

O chefe do Executivo disse que o Brasil não merece o que Maia está fazendo. “O Brasil não merece a atuação dele dentro da Câmara. Não é o parlamento brasileiro. É a atuação dele. No meu entender, péssima atuação. Quando se fala em diálogo, sabe qual é o teu diálogo. Esse tipo de diálogo não vai ter comigo. E não estou rompendo com o parlamento não, muito pelo contrário. É a verdade é que tem de ser dita”, destacou. “E nós sabemos que o Brasil estava indo muito bem. Essa questão do vírus interessa para todos nós uma maneira de solucionar, mas, dessa forma, está aprofundando a crise, está botando uma conta no meu colo que vai chegar, no total, à casa de R$ 1 bilhão, e o Brasil não dispõe disso.”

Cortina de fumaça

Em resposta a Bolsonaro, Maia disse que a intenção do presidente é mudar a pauta, tirar o foco da demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde. “O presidente ataca com um velho truque da política, como a demissão do ministro Mandetta foi ruim, ele quer trocar a pauta”, apontou. Ele afirmou que o parlamento não vai responder com acusações, “no nível que ele (Bolsonaro) quer” nem tem interesse de prejudicar o governo. “O presidente não vai ter de mim ataques. Ele joga pedras, e o parlamento vai jogar flores”, emendou o presidente da Câmara.

Maia disse não ter “nenhuma intenção de conflitar com o governo, de prejudicar e enfrentar o governo”. Segundo ele, o chefe do Planalto “pode ficar tranquilo”, porque a Câmara está disposta a dialogar com o Executivo. “Não vou, de forma nenhuma, responder o presidente no nível que ele quer que eu responda. É disso que se trata em um momento de crise, de união, com um objetivo só: salvar vidas e emprego”, ressaltou.

O presidente da Câmara lembrou, ainda, que praticamente 80% da população está “preocupada” com a saída de Mandetta, com base em pesquisas. “Em uma guerra, quando você troca o general, como fica seu exército? O general, o comandante da área da Saúde, foi trocado hoje (ontem). Não podemos, neste momento, criar mais insegurança. Presidente, conte com a Câmara dos Deputados”, respondeu.

Impasse

A Câmara aprovou, na segunda-feira, um projeto de socorro aos estados que obriga a União a compensar a queda de arrecadação Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS, estadual) e Imposto Sobre Serviços (ISS, municipal) durante a crise. A área econômica do governo federal anunciou uma contraproposta para aumentar em

R$ 77 bilhões a ajuda. Maia contesta essa interpretação do Executivo e diz que a União vai liberar somente R$ 22 bilhões.