Título: Saúde de Chávez põe o regime em xeque
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 11/12/2012, Mundo, p. 16

Especialistas acreditam que presidente tenta garantir a sobrevida de seu projeto político e da revolução bolivariana enquanto luta contra o retorno do câncer, em Cuba. Governante adverte sobre "planos desestabilizadores" no país

Após anos de uma política centralizadora, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, tenta institucionalizar seu projeto político, mas deixa mais perguntas do que respostas com sua ausência do país para tratar-se contra um câncer recorrente. O líder chegou ontem a Havana (Cuba) para se submeter a uma quarta cirurgia, em uma estadia por tempo indeterminado na ilha. No sábado, Chávez anunciou o vice-presidente e chanceler Nicolás Maduro como seu sucessor e herdeiro do chavismo, pela primeira vez. Na opinião de analistas venezuelanos, o mandatário tenta consolidar seu socialismo do século 21 para um projeto além de um governante. Mas as transformações serão inevitáveis e afetarão também a oposição.

Chávez desembarcou, ainda de madrugada, no Aeroporto Internacional de Havana. Foi recebido pelo presidente, Raúl Castro, e pelo chanceler, Bruno Rodríguez. Desde que tornou público o tumor diagnosticado na região pélvica, Chávez, 58 anos, tem feito viagens constantes à ilha socialista para se submeter a tratamento. O novo procedimento foi anunciado pelo próprio presidente como "absolutamente imprescindível", no sábado, mas não estava claro quando a cirurgia seria realizada. Ele já havia passado 10 dias em Cuba antes de retornar à Venezuela, na sexta-feira. No sábado, surpreendeu a todos ao reconhecer a gravidade de seu estado de saúde e anunciar formalmente Maduro como herdeiro político. Desde então, Chávez vem se esforçado em pedir a unidade em torno do número dois da política venezuelana. Chegou a defender que, caso se ausente, a população deveria votar nele.

Adversário do presidente nas últimas eleições, o candidato único da oposição, Henrique Capriles, tratou de defender que qualquer mudança política no país ocorra sob os termos na Constituição. "Que fique bem claro: na Venezuela não há sucessão. Em caso de qualquer dúvida (sobre a ausência temporária ou absoluta do presidente), a Constituição é muito clara para que nunca existam indefinições nem interpretações", declarou. A Carta Magna venezuelana estabelece que, caso não consiga tomar posse para a sua terceira reeleição, em 10 de janeiro, ou se precisar deixar o cargo nos primeiros quatro dos seis anos do mandato, uma nova eleição precisará ser realizada em 30 dias.

Incertezas

Segundo Néstor Luis Luengo, cientista político da Universidade Católica Andrés Bello (Caracas), ao fazer o comovido anúncio no sábado, Chávez lançou também muitas incertezas sobre a sua "revolução bolivariana". Na opinião de Luengo, o presidente tem consciência da forte dependência que exerce sobre seu projeto político. Agora, tenta traçar os rumos do "socialismo do século 21" sem ele. "A preocupação fundamental é institucionalizar o projeto e fazer com que ele se mantenha além do presidente", afirmou.

Na avaliação de Oscar Reyes, filósofo e cientista político da mesma universidade, Maduro dispõe do apoio interno, especialmente depois do pedido do próprio Chávez para que ele siga à frente do chavismo. Reyes ponderou que o projeto poderia sofrer modificações e caminhar mais ao centro (Leia a entrevista nesta página). Os dois analistas concordaram, porém, que a oposição também precisará se ajustar. Nas últimas eleições presidenciais, as diferentes correntes opositoras decidiram se unir e escolheram um único candidato, por meio de primárias, para enfrentar Chávez. Capriles, 40 anos, perdeu nas urnas, mas recebeu 44% dos votos — um recorde no país.

Sem a figura central e forte de Chávez, outros nomes da oposição, segundo os especialistas, podem se animar a disputar de forma independente. "Qualquer um dentro da oposição poderia pedir primárias", explicou Luengo. Ele afirma que, sem a presença de Chávez, não existiria tanta polarização em uma eventual disputa. "Também não haveria tanto ódio e os candidatos poderiam se manter mais ao centro. Seria uma competição mais equilibrada."

Chávez, que em 2002 sofreu um golpe de Estado, advertiu o comando militar contra eventuais planos "desestabilizadores". Em discurso gravado, exibido pelo canal de tevê oficial VTV antes de viajar, o presidente alertou que "o inimigo espreita de fora e de dentro, e qualquer circunstância que eles acreditem oportuna para lançar-se de novo como hienas contra a pátria e entregá-la ao imperialismo, não vão desperdiçar". Para analistas, as chances de um novo golpe são improváveis. De acordo com eles, o presidente quis, mais uma vez, garantir a unidade em torno do projeto político. "O anúncio (do presidente) abriu a caixa de Pandora e há muita insegurança, entre setores do governo e de fora. Mas não creio que os partidos sérios planejem algo às margens da Constituição", disse Luengo.

Maduro jura ser leal“além da vida”

Sem esconder a emoção e com a voz falhando algumas vezes, o vicepresidente da Venezuela, Nicolás Maduro, reafirmou sua lealdade "além" da vida ao presidente Hugo Chávez, na primeira reação após ser apontado herdeiro político do chefe de Estado. "Até além desta vida vamos ser leais a Hugo Chávez", disse Maduro, ao se unir em um ato a Elías Jaua, candidato da situação ao governo do estado Miranda (norte) para as eleições estaduais de domingo, transmitido pelo canal oficial VTV. "Chávez tem um povo, tem a nós e nos terá sempre nesta batalha de vitória em vitória com nossa lealdade", disse Maduro. "Vamos superar com coragem, com amor, com oração esta circunstância que estamos vivendo."

Adesão ao Conselho de Direitos Humanos Foi oficializado ontem, em Genebra (Suíça), o ingresso da Venezuela como país membro do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). A Venezuela foi eleita como membro do Conselho para o período de 2013-2015, em novembro, assim como o Brasil. O representante permanente de Caracas no Conselho, Germán Mundaraín, fez um chamado para que a instância "assuma a responsabilidade de cumprir com seu mandato sobre a base do diálogo genuíno, da cooperação e o respeito mútuo".