Título: Morsy atribui função de polícia ao Exército
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 11/12/2012, Mundo, p. 17

Militares passam a ter autonomia para realizar prisões e podem utilizar a força. Medidas devem durar até as autoridades divulgarem o resultado do referendo constitucional

O Exército do Egito assumiu ontem as funções de polícia, depois que um decreto do presidente Mohamed Morsy conferiu às Forças Armadas a responsabilidade de manter a segurança interna do país. Com a decisão, os militares podem executar prisões e usar a força para manter os manifestantes da oposição sob controle. As atribuições extraordinárias devem durar até que seja anunciado o resultado do referendo sobre a nova Constituição.

A data para que os egípcios decidam nas urnas se apoiam ou não o rascunho da Carta Magna foi mantida pelo presidente para o próximo sábado, apesar dos apelos da oposição. No último fim de semana, Morsy modificou a declaração constitucional de 22 de novembro, estopim da crise atual, e revogou o item mais controverso do decreto — com isso, suas decisões serão novamente submetidas ao crivo judicial. No entanto, o mandatário se recusou a ceder aos pedidos por mudanças no texto que irá a referendo. As principais reivindicações dos grupos opositores incluem o caráter laico do Estado e as garantias dos direitos civis. "O decreto constitucional foi cancelado. Não há, agora, desculpa para manifestações maciças", afirma uma nota da Irmandade Muçulmana, organização islâmica da qual Morsy faz parte.

Em meio a boatos de que o Exército poderia assumir a supervisão das votações, depois de membros do Judiciário se recusarem a fazer o trabalho, o Clube de Juízes do Egito anunciou que cumprirá a função eleitoral. No último dia 2, Ahmed Al Zind, presidente do Clube, advertiu que os magistrados tinham decidido boicotar a consulta popular. A associação impôs uma condição para supervisionar o plebiscito: a retirada dos manifestantes a favor do regime acampados em frente à Suprema Corte Constitucional.

Boicote

A cinco dias da votação que pode mudar o futuro do Egito, a oposição se divide entre os que apoiam o comparecimento em massa para votar "não" e aqueles que preferem um boicote ao processo eleitoral. O pouco tempo para que os 250 artigos da Carta Magna sejam discutidos no país, onde 30% do povo não é alfabetizado, de acordo com dados da ONU, pode resumir a questão a uma disputa entre os simpatizantes de um Estado com base no islamismo e os militantes que pedem uma Carta secular.

"Ainda está por se verificar em que medida esse grupo islâmico tem compromissos democráticos ou não com o Egito. É cedo para dizer que possa haver uma democratização do regime, até mesmo porque muitos oposicionistas nada têm de democráticos", analisa o diplomata brasileiro Luiz Augusto de Castro Neves e presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Os manifestantes favoráveis e contrários a Morsy devem retomar os protestos, hoje, no Cairo. A Irmandade Muçulmana convocou uma "marcha de 2 milhões de pessoas", que, de acordo com os organizadores, não deve passar perto do Palácio Presidencial, onde vários militantes da oposição fazem vigília. Pelo menos seis marchas contra o referendo devem ocorrer em diferentes partes da cidade e se encontrar em frente ao palácio. Na última semana, confrontos deixaram seis mortos e centenas de feridos.

Eu acho...

"Os simpatizantes de Mohamed Morsy tristemente aceitam uma ditadura, porque creem que o presidente não abusará de seus poderes absolutos. Muitos deles pensam, de modo equivocado, que esta é uma luta contra o islã, e não uma luta por liberdades. Eles estão defendendo medidas opressivas e acreditam em falsas garantias da Irmandade Muçulmana, apesar de suas frequentes mentiras e sua consistência em quebrar cada promessa que fizeram aos egípcios."

Wael Eskandar, escritor e blogueiro, morador do Cairo