O globo, n. 31667, 19/04/2020. Especial Coronavírus, p. 16

 

Ataques a pesquisadores atrasam combate à Covid-19, diz físico

Ana Lucia Azevedo

19/04/2020

 

 

Luiz Davidovich, da Academia Brasileira de Ciências, condena ameaças de morte contra autores de estudo que questionou uso da cloroquina

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Academia Nacional de Medicina (ANM) condenaram ontem os ataques aos autores de um estudo que revelou o risco de efeitos colaterais graves em pacientes de Covid-19 tratados com cloroquina. As duas entidades apoiaram os pesquisadores e destacaram a relevância do trabalho, cujos responsáveis chegaram a ser ameaçados de morte. O presidente da ABC, Luiz Davidovich, destacou que as intimidações são um ataque contra toda a sociedade brasileira e podem atrasar o combate do coronavírus no país.

—É um ataque à liberdade de pensamento, de conhecimento e de produzir ciência que não pode ser tolerado. Ideologia e ódio não pautam a ciência, e si mabus capela verdade e o conhecimento. Se esses grupos de ódio não forem duramente punidos, qualquer cientista ques e atreva afazer uma descoberta que não seja do interesse deles terá avida ameaçada. Isso é uma ameaça gravíssima e prejudica o combate do coronavírus no Brasil —destacou Davidovich. O estudo foi feito pelo grupo CloroCovid-19, composto de mais de 70 profissionais, entre pesquisadores, estudantes de pós-graduação e colaboradores de instituições com tradição em pesquisa, como a Fundação de

Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, do governo do Amazonas, a Fiocruz, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a Universidade de São Paulo (USP). Logo após a divulgação da pesquisa, apoiadores da cloroquina fizeram acusações aos cientistas. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) disse no Twitter que o estudo “causou 11 mortes após pacientes receberem doses muito fora do padrão”.

Anotada ANM frisa que os pesquisadores, “apesar da repercussão favorável na comunidade médica e científica, foram vítimas de acusações torpes e covardes, totalmente descabidas, inclusive com ameaças de morte. O estudo foi desenhado e conduzido com respeito a todos os requisitos éticos e legais”. Umadas cientistas que estão à frente da luta contra a Covid-19, a pneumologista Margareth Dalcolmo, colunista do GLOBO e pesquisadora da Fiocruz, mas que não integrou o estudo em questão, salienta que esse tipo de ameaça atinge toda a sociedade:

—É ignóbile busca semear o medo e intimidar todos aqueles que ousam discordar de crenças sem embasamento em fatos comprovados. Críticas construtivas são sempre bem-vindas. Porém, não se trata de crítica, mas de intimidação por descontentamento com o resultado —diz ela.

EFEITOS COLATERAIS GRAVES

O documento da ABC afirma que “num momento de crise, como o que vivemos, os vieses ideológicos estão prejudicando a execução da boa ciência, pois desviam o foco dos pesquisadores para situações desconfortáveis e injustas”. O estudo em questão teve ampla repercussão positiva internacional. No trabalho, os cientistas dizem que os testes coma cloroquina foram interrompidos por razões de segurança depois que pacientes com Covid-19 que tomaram uma dose elevada — considerada a necessária para, em tese, bloqueara multiplicação do coronavírus —apresentaram arritmia e tiveram aumentado o risco de sofrer um ataque do coração. Ao mesmo tempo, eles não encontraram evidências significativas de que a alta dosagem da cloroquina reduziu significativamente a replicação do vírus.

Na nota da ANM, o presidente da instituição, Rubens Belfort Júnior, diz que“a ciência é o único caminho para a solução do problema que aflige a nós todos ”. Ele condenou o que chamou de “acusações inconsequentes, difamatórias e sem fundamento científico que circularam sobre os autores”. Segundo ele, a pesquisa feita é um trabalho sério.