Título: Represálias do governo militar
Autor: Campoli, Clara
Fonte: Correio Braziliense, 11/12/2012, Cidades, p. 27

O arquiteto comunista que teve os passos monitorados pela ditadura sofreu represálias por causa de suas convicções políticas, as quais nunca fez questão de esconder. Oscar Niemeyer teve dificuldades de trabalhar em Brasília durante o regime. Pelo menos dois projetos feitos por ele foram rejeitados pelos militares no período linha-dura: o do Aeroporto Intercontinental América do Sul e do Centro Esportivo de Brasília, previstos para serem construídos no lugar do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek e do Estádio Mané Garrincha, respectivamente.

De acordo com o arquiteto José Carlos Coutinho, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) e especialista na obra de Niemeyer, a não construção do aeroporto foi um grande desgosto para o mestre. Em 1967, o arquiteto projetou um terminal circular, com colunas que lembravam as do Palácio da Alvorada, muito avançado para a época. “Tinha uma estação central e outros terminais menores em volta, princípios adotados no Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, anos depois”, afirma Coutinho.

Apesar da inovação, o projeto foi recusado pelo governo. O diretor de Engenharia da Aeronáutica na época, brigadeiro Henrique Castro Neves, justificou que “a solução de um aeroporto deveria ser extensível” e não circular, como previa Niemeyer. A recusa ao projeto abriu uma guerra entre os militares e Oscar Niemeyer. Apoiado por um grupo de colegas, o arquiteto recorreu à Justiça por meio de uma ação popular, mas perdeu. “O juiz se deu ao ridículo — que calhorda — de nos condenar a pagar as custas do processo”, contou o próprio Niemeyer em seu livro de memórias Curvas do tempo. “Um aeroporto extensível, já naquela época, era solução superada”, acrescentou. A atitude de Niemeyer causou enorme irritação no alto escalão do governo Médici.

Centro esportivo Outro projeto rejeitado foi o do Centro Esportivo, que deveria ter um estádio principal com capacidade para 50 mil pessoas e outros dois ginásios menores para 5 mil pessoas, um destinado à piscina olímpica e o outro aos demais esportes, como vôlei e basquete. Nesse projeto, Niemeyer evitou fazer a arquibancada circular e localizou o público apenas em um lado do campo. A cobertura foi prevista por meio de grandes arcos que, nascendo atrás da arquibancada, cobriam a área esportiva, para se juntarem depois da área no eixo transversal da composição.

A solução adotada permitia utilizar o estádio para grandes espetáculos de música e de teatro. O arquiteto projetou, na parte oposta à arquibancada, um enorme palco e, debaixo dele, os camarins. O espaço também previa dois estacionamentos, para 15 mil e 2 mil carros. “O motivo para esses projetos terem sido recusados nunca foi dito explicitamente, mas havia uma rejeição dos militares por causa das ideias políticas de Niemeyer. Ele foi sendo afastado aos poucos até se exilar na França”, lembra Coutinho.

Durante os anos de chumbo, Niemeyer conseguiu realizar apenas dois projetos: o comunista desenhou o Quartel-General do Exército, no Setor Militar Urbano, e o Palácio do Jaburu. Até para fazer reformas em monumentos projetados por ele, o arquiteto esbarrou no regime. “Ele foi projetar uma reforma no anexo da Câmara dos Deputados e os militares questionavam como o presidente da Câmara tinha dado a obra para um comunista. Ele dizia que o Oscar era um comunista bonzinho”, lembra o arquiteto Antônio Carlos Moraes de Castro.

No início da abertura política, nos anos 1980, Niemeyer enfrentou outra barulheira contra seu projeto para o Memorial JK. Os militares mais exaltados viam a escultura de JK sobre uma estrutura curva de concreto como uma referência à foice, símbolo do Partido Comunista. “Tem um pouco de folclore nisso também. Ele usou essa forma em outras esculturas também, como a da sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na L2 Sul”, defende José Carlos Coutinho. Niemeyer confirmou o espírito político e questionador de sua obra em suas memórias. “O objetivo foi questionar a ditadura existente, obrigando os mais reacionários a vê-lo (JK) todo dia, sorrindo, vitorioso sobre a cidade que o Lucio (Costa) inventou e ele construiu”, contou.