O globo, n. 31667, 19/04/2020. Economia, p. 27

 

‘Invisíveis’ demandam atenção social permanente

Eliane Oliveira

Geralda Doca

19/04/2020

 

 

Especialistas defendem políticas públicas para os trabalhadores informais que o cadastro do auxílio emergencial revelou

 

O impacto da pandemia de coronavírus na economia evidenciou as falhas da rede de proteção social montada no Brasil nos últimos anos. O governo não tinha sequer noção de quantos trabalhadores informais existem no país, fora dos cadastros oficiais. O contingente de 54,1 milhões de pessoas previsto inicialmente para receber o benefício de R$ 600 mensais deve ultrapassar 70 milhões, de acordo com a procura pelo cadastro do programa. Especialistas ouvidos pelo GLOBO sugerem novas alternativas de políticas públicas para atingir uma população que ganha a vida no trabalho informal e, sem registros, termina desconhecida e desassistida pelo governo.

Para atender tanta gente, o economista José Roberto Afonso propõe a criação, a curto prazo, do que chama de “novo seguro-destrabalho”. Seria financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e, na prática, funcionaria como uma expansão do seguro-desemprego, que só chega hoje a quem perde vaga com carteira assinada. O sociólogo José Pastore defende que o país faça um novo cadastro único ampliado para incluir essas pessoas, e o economista João Saboia, da UFRJ, avalia que a melhor base de dados para isso é o que está sendo feito agora, para o auxílio emergencial.

ATENÇÃO ALÉM DA CRISE

A principal lição aprendida com o cenário atual, concordam os analistas, é a de que um grande número de brasileiros “invisíveis”, que não têm acesso a programas como o Bolsa Família e ao seguro-desemprego, precisam ter alguma atenção do Estado. E não somente em momentos de crise. Para José Roberto Afonso, o coronavírus só destampou uma panela de pressão que iria explodir em algum momento, mas que era ignorada “por inépcia governamental e preguiça intelectual ”. Aseu ver, os pobres já estavam alijados de qualquer proteção social. O “seguro-destrabalho” que ele sugere, ser iauma proteção em momentos de dificuldade para quem provar que trabalhava como autônomo, Microempreendedor Individual( M EI ), ou firma individual.

— Enquanto receber o seguro-destrabalho, a exemplo do que já está previsto hoje no seguro-desemprego, o trabalhador poderia, ou deveria, receber formação e treinamento, para melhorar sua qualificação e suas chances de conseguir algum trabalho, para

lhe permitir dispensar o benefício —explica Afonso. Autor da Lei de Responsabilidade Fiscal, Afonso defende que o aumento do gasto público não pode ser impedimento para a ampliação da rede de proteção social no Brasil.

—É hora de o governos e endividar. Por anosos governantes retiraram recursos do FAT, está na hora de devolver. Especialista em relações laborais, o sociólogo José Pastore lembra que, historicamente, os trabalhadores sem vínculo empregatício correspondem a um terço da força de trabalho nos EUA ena Europa. No Brasil, calcula, entre trabalhadores informais e desempregados, amas sade marginalizados dos direitos trabalhistas soma cerca de 50 milhões de pessoas, quase metade da população em idade ativa.

— O Brasil terá de fazer um cadastro único ampliado para inclui ressas pessoas. Não é difícil,é só anunciar que todos providenciarão os dados num instante —avalia.

O professor João Saboia, da UFRJ, avalia que a solução está mais perto do que se imagina: o melhor cadastro está sendo montado agora comas pessoas que estão solicitando o auxílio emergencial por meio dos aplicativos da Caixa Econômica. Até sexta-feira, havia mais de 45 milhões de cadastrados, em princípio informais.

— Depois de feita uma limpeza para eliminar as informações incorretas, será um cadastro novo, com informações de pessoas de baixa renda fora do Bolsa Família e do Cadastro Único. Deve ter muita informação incorreta e gente que reduziu a renda (declarada) só para ter direito aos R$ 600. Esse problema também acontece com o Bolsa Família, mas é gente necessitada eque está no sufoco. Acrise do coronavírus acabou sendo uma oportunidade única para a montagem de um novo cadastro —diz Saboia.

ECONOMIA PRECISA CRESCER

Pastore lembra que, hoje, os vários tipos de proteção que existem para os trabalhadores (aposentadoria, saúde, benefício em caso de doença ou acidente, seguro-desemprego, licença maternidade, entre outros)são limitados aos que têm algum tipo de vínculo empregatício. Mas ele ressalta que é preciso reconhecer que o país não tem todas as condições de criar uma rede de proteção social ideal, embora tenha avançado nos últimos anos com a criação de políticas de formalização, como a figura do microempreendedor individual (MEI), e a cobertura do Serviço Único de Saúde (SUS), que ainda precisa ser consolidado:

—Temos de ser realistas. É claro que a informalidade no trabalho só será reduzida de forma expressiva quando a economia brasileira voltar a crescer a taxas superiores a 4% ao ano durante muito tempo.