O Estado de São Paulo, n.46192, 06/04/2020. Política, p.A4

 

'A hora deles vai chegar', ameaça Bolsonaro

Mateus Vargas

06/04/2020

 

 

Presidente se ajoelha em frente ao Palácio, reza com pastores e, sem citar nomes, diz que ‘algo subiu na cabeça’ de seus ministros; por fim, garante: ‘minha caneta funciona’

Caminhada. O presidente afirmou ainda que trabalha para colocar o Brasil em posição de destaque após a crise

Em meio a uma disputa e divergências com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sobre estratégia para combate ao novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro mandou uma série de recados na tarde de ontem. Em conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, ele disse que “algo subiu na cabeça” de pessoas do seu governo, mas que a “hora deles vai chegar”. “A minha caneta funciona”, afirmou Bolsonaro, sem mencionar nomes.

Rodeado por fiéis, o presidente atendeu o pedido de um pastor e se ajoelhou com o grupo, que fez orações e cantou músicas de louvor. Em silêncio, o presidente ouviu o pastor, em tom exaltado, dizer que, a partir daquele instante, não haveria mais nenhuma morte pela covid-19 no Brasil, porque o País estaria abençoado por Deus e pelo presidente Bolsonaro.

“Algumas pessoas no meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando. Eram pessoas normais, mas de repente viraram estrelas. Falam pelos cotovelos. Tem provocações. Mas a hora deles não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona. Não tenho medo de usara a caneta nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil, não é para o meu bem. Nada pessoal meu. A gente vai vencer essa”, declarou o presidente.

Bolsonaro escancarou seu descontentamento com Mandetta na última semana. O presidente disse que falta “humildade” ao ministro e, embora tenha afirmado que não pretende dispensá-lo “no meio da guerra”, ressaltou que ninguém é “indemissível” em seu governo.

Ontem, após os recados do presidente, Mandetta se esquivou de comentar as afirmações do chefe. Questionado cerca de uma hora após as declarações, ele afirmou que ainda não tinha visto ainda a frase. “Eu estou dormido”, disse, parecendo bocejar ao telefone. “Amanhã eu vejo, tá?”, completou.

O protagonismo do auxiliar durante a pandemia do coronavírus já vinha incomodando o presidente há algum tempo. Ao ser confrontado com o que o chefe dissera na quinta-feira, Mandetta respondera então: “Trabalho, lavoro, lavoro”, repetindo a palavra que significa “trabalho” em italiano. Depois disse que continuaria no governo, afirmando que um médico não abandona o seu paciente.

O incomodo de Bolsonaro não está restrito apenas à insistência de Mandetta em apoiar as quarentenas decretadas pelos Estados. O presidente também está muito irritado com o crescimento de popularidade de seu ministro, enquanto vê sua reprovação crescer entre a população, com atestam as pesquisas desta última semana.

Na semana passada, o presidente já havia contrariado orientações sanitárias ao fazer um tour por Brasília, quando também provocou aglomerações e cumprimentou fãs. O Ministério da Saúde coloca o Distrito Federal (DF), como uma das unidades da federação que estão entrando em fase “descontrolada” de contaminação. Para estes locais, a pasta recomenda que medidas de isolamento amplo sejam mantidas.

O presidente também voltou a criticar ontem as quarentenas determinadas por governadores. Ele disse que “cada chefe do Executivo” quis impor “mais medidas restritivas que o outro”. “Como se estivessem preocupados com a vida de alguém. A gente sabe que a preocupação é muitas vezes jogada política.”

O presidente afirmou ainda que trabalha para, após a pandemia, recolocar o Brasil em lugar de estaque. “Nenhum país do mundo tem o que a gente tem. Em especial o povo, até pacífico demais, até muitas vezes. Mas a gente tem de pregar isso. Mensagem de paz e não de terrorismo, histeria, como foi pregado junto ao povo brasileiro.”

Estrelas

“Algumas pessoas no meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando. Eram pessoas normais, mas de repente viraram estrelas.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA