O Estado de São Paulo, n.46192, 06/04/2020. Economia e Negócios, p.B1

 

Compra direta de carteiras é aposta do BC contra 'empoçamento' de dinheiro

Adriana Fernandes

Fabrício de Castro

06/04/2020

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, reclamou em evento no sábado que, mesmo com liberação de recursos pelo Banco Central, por meio de medidas como a redução do compulsório, dinheiro tem ficado retido nos bancos e não tem chegado aos empresários

O governo aposta na compra direta, pelo Banco Central, das carteiras de crédito e títulos das empresas como forma de fazer com que recursos liberados pelo governo cheguem efetivamente às mãos dos empresários. No sábado, 4, o ministro da Economia, Paulo Guedes, reclamou que os recursos liberados aos bancos para ampliar o crédito no País estão “empoçados no sistema financeiro”. Ou seja, mesmo com medidas de estímulo, como a redução do depósito compulsório (recursos que as instituições financeiras têm de manter no Banco Central), o dinheiro não está chegando a quem busca.

A compra direta de carteiras ou títulos já é utilizada por outros bancos centrais do mundo, como o Federal Reserve (Fed), dos Estados Unidos. Esse instrumento permite ao BC injetar recursos no mercado para ajudar as empresas conseguirem dinheiro, sem precisar dos bancos como intermediários. Para que isso aconteça, porém, é necessária a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que já está no Congresso.

A interlocutores, Guedes tem dito que os bancos ficam “segurando a grana” porque não querem correr riscos – uma prática “desde sempre”. A maior queixa é que, se ficar o dinheiro parado nos bancos, não vai chegar nos “pequenos”. Como o BC só pode até agora fazer operações diretas com as instituições financeiras, os bancos acabam com um poder enorme do Brasil. Com a aprovação da medida, o BC deixaria de depender do sistema bancário e poderia negociar uma carteira de crédito de uma varejista, por exemplo.

Guedes e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, começaram a discutir a proposta depois que ficou claro que a liberação dos compulsórios não surtiu efeito. Guedes cobrou de Campos Neto uma reação ao “empoçamento”. Foi aí que surgiu a proposta do financiamento da folha de salários via BNDES, e a PEC começou a ser pensada com líderes do Congresso.

A linha de financiamento da folha de salário, já divulgada, consiste em liberar R$ 40 bilhões a pequenas e médias empresas para pagar até dois salários mínimos (R$ 2.090) para cada funcionário. Os bancos privados (Itaú Unibanco, Bradesco e Santander) vão pegar o dinheiro do BNDES para pagar diretamente o funcionário, sem passar pela conta da empresa.

Orçamento de guerra. O novo arsenal para o BC foi incluído, a pedido da equipe econômica, na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do “orçamento de guerra”, que prevê retirar algumas amarras de regras fiscais para facilitar os gastos públicos neste momento de pandemia. A emenda já foi aprovada em dois turnos na Câmara na última sexta-feira, 3, e aguarda duas votações do Senado (onde precisa do apoio de, pelo menos, 49 de 81 senadores). Pela PEC, o montante da cada operação de compra terá de ser autorizado pelo Ministério da Economia.

Para o ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, o dinheiro “morre” nos bancos, que preferem investir em títulos públicos. Ele defende uma forma de “punição “do BC aos bancos que não emprestarem e alongarem os prazos. “Os bancos não querem dar dinheiro novo, nem querem alongar. Querem comprar só títulos públicos”, diz. Segundo ele, se os bancos não fizerem isso, haverá uma quebradeira geral. “As empresas não vão pagar, as pessoas não vão pagar e vai ser uma quebradeira geral. Os bancos também vão quebrar na frente.”

Na prática, com o risco de quebradeira generalizada e disparada dos calotes, os bancos endureceram as concessões justamente quando as empresas mais precisam para honrar os pagamentos a funcionários e fornecedores. A liberação de recursos aos bancos têm dois objetivos principais: garantir que as instituições não quebrem e manter a disponibilidade de dinheiro para a concessão de empréstimos a empresas e famílias.

Procurada para comentar a declaração de Guedes sobre o empoçamento de recursos nas instituições financeiras, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) não se pronunciou até o fechamento desta reportagem.

Situação

“Os bancos não querem dar dinheiro novo, nem querem alongar. Querem comprar só títulos públicos.”

Carlos Thadeu de Freitas

EX-DIRETOR DO BC E ECONOMISTA-CHEFE DA CNC