Título: Dosimetria das penas questionada
Autor: Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 04/12/2012, Política, p. 6

Especialista endossa tese que considera erro somar condenações relativas a crimes da mesma natureza

Assinado pelo ex-subprocurador-geral da República Juarez Tavares, um parecer anexado ao processo do mensalão sugere a redução das penas definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com base na tese de que houve condenação por crimes da mesma espécie. O ex-integrante do Ministério Público Federal (MPF) discorda do parâmetro de dosimetria adotado pelo relator da Ação Penal 470, Joaquim Barbosa.

Para Tavares, somente uma pena poderia ser aplicada, por exemplo, a réus condenados por corrupção e peculato. “Os crimes de peculato e corrupção (passiva ou ativa) se inserem no mesmo complexo de lesão à administração pública, bem jurídico que consubstancia a funcionalidade do Estado. Como estão situados na mesma zona de ilícito, pode-se dizer que lesam o mesmo bem jurídico e, por isso, são crimes de mesma espécie”, destaca o jurista no parecer feito a pedido da defesa dos publicitários Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, ex-sócios do empresário Marcos Valério, que inicialmente cumprirão regime fechado de prisão.

Atualmente professor de direito penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Juarez Tavares integrou o MPF por 30 anos, tendo se aposentado em agosto de 2012. Especializado em direito penal, ele é mestre e doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-doutor pela Universidade de Frankfurt am Main. Estudioso do direito alemão, Tavares é discípulo de Claus Roxin, um dos mais renomados autores do direito penal da Alemanha. Tavares avalia que as acusações relativas a um mesmo fato não podem ser consideradas atos distintos. “Seria muito mais fácil tratar do crime continuado se os fatos pudessem estar unidos por uma finalidade comum, que estivesse aclarada por suas circunstâncias, mas esse não é o caso.”

O julgamento do mensalão vai ser retomado amanhã, ocasião em que o plenário vai debater uma proposta do ministro Marco Aurélio Mello de reavaliar as penas aplicadas à maior parte dos 25 réus condenados. Ele defende a equalização das punições, por entender que crimes como corrupção, peculato e lavagem de dinheiro devem ser enquadrados como delitos da mesma espécie. O revisor do processo, Ricardo Lewandowski, é um dos magistrados do STF que defende a revisão. “Em vez de serem somados em concurso material, pode-se considerar a pena mais grave e aplicar uma fração a mais. Crimes contra a administração pública ou o sistema financeiro podem ser considerados, em tese, crimes da mesma espécie, e levar o cálculo segundo a continuidade delitiva”, afirma Lewandowski.

Juarez Tavares discorda do critério subjetivo para o aumento de penas usado durante o mensalão. “O ato fica ao arbítrio exclusivo de quem decide, sem parâmetros objetivos seguros. A partir de quando se deve aumentar e em que medida? Essa é uma questão que não pode ser respondida com base em um critério quantitativo. A valer tal argumento, poder-se-ia entender que, por exemplo, o tráfico de drogas merecesse uma gradação em sua pena consoante a quantidade de quilos da substância traficada. É mais grave transportar 10 quilos de maconha do que 5 quilos de cocaína?”, questiona. Ele próprio responde: “Pelas características e os efeitos da droga, parece que a decisão sobre isso não poderá ser tomada apenas pela quantidade da droga, mas, sim, pela efetiva lesão do bem jurídico, até mesmo para evitar, aqui, a incidência de puros juízos morais, incompatíveis com o Estado de direito”.

“Delito único” O ex-integrante do MPF alerta também que a evasão de divisas, por meio da remessa ao exterior de mais de uma parcela, como descrito na denúncia da Ação Penal 470, não significa a repetição do crime. De acordo com Tavares, nesse caso, há “um delito único”. O jurista acrescenta que o Código Penal estabelece que o juiz pode considerar antecedentes e a conduta social do réu no momento da dosimetria.

“Os ministros devem atender, primeiramente, aos limites impostos pela culpabilidade e, depois, aos objetivos de prevenção, entre os quais se deve destacar a finalidade de reinserção do autor na sociedade. Em face disso, a pena base deve se aproximar, sempre que possível, do mínimo legal, e deve mesmo ser imposta no mínimo legal quando as circunstâncias sejam, em boa parte, favoráveis ao autor”, destaca o parecer de Juarez Tavares.