Correio braziliense, n. 20787 , 21/04/2020. Economia, p.9

 

Ninguém quer comprar petróleo

Alessandra Azevedo

Jailson Sena*

21/04/2020

 

 

Barril do óleo do tipo WTI termina o dia cotado a US$ 37,63 negativos. Investidores estavam pagando para não receber o produto. Mercado tem excesso de oferta, e redução acertada entre Opep e Rússia pouco resolveu. Há dificuldade de estocagem devido à queda na demanda

Pela primeira vez na história, o preço do petróleo no mercado futuro caiu abaixo de zero, ontem. No último dia antes do vencimento dos contratos com entrega para maio, com o mundo parado diante da pandemia de coronavírus, os investidores internacionais fizeram o possível para se livrar dos papéis. O barril do óleo do tipo West Texas Intermediate (WTI), negociado nos Estados Unidos, terminou o dia cotado a US$ 37,63 negativos. Significa dizer que os investidores estavam, literalmente, pagando para não receber o produto.

Ao fim do pregão, os contratos ficaram 305,97% mais baratos do que na sexta-feira, quando fecharam o dia sendo negociados a US$ 18,27, cotação que já era a menor em 18 anos. Há um ano, o mesmo barril custava US$ 66. O desespero dos investidores reflete um mercado inundado de óleo e sem quem queira comprá-lo ou tenha onde estocá-lo.

Hoje, 160 milhões de barris estão em navios-tanques, o número mais alto da história, segundo a agência de notícias Reuters. No auge da crise de 2008, eram 100 milhões. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e aliados, como a Rússia, fizeram um acordo, em 12 de abril, para cortar 10% da produção, para tentar reverter o quadro, mas o número ainda não é suficiente.

Diante desse cenário, e sem perspectivas para o fim da pandemia, os contratos para junho do WTI fecharam o dia também a preços baixos, cotados a US$ 20,43, o barril, uma queda de 18,4%. O contrato do óleo Brent, negociado em Londres, com vencimento em junho, caiu 8,94%, com barril sendo negociado a US$ 25,57. Como a Petrobras usa o Brent como referência, os papéis não foram muito afetados. A queda chegou a 1,36% nas ações preferenciais (PETR4) e a 1,02% nas ordinárias (PETR3).

Mercado

Com a piora das bolsas americanas, a Ibovespa teve baixa e operou instável na véspera de feriado. A bolsa abriu em queda de mais de 2%, chegou a subir mais de 1% e superar os 80 mil pontos no início da tarde. Às 16h21, o índice tinha desvalorização de 0,33%, a 78.726 pontos. O dólar comercial teve a segunda maior cotação da história, com uma alta de 1,4%, e fechou a R$ 5,309 na venda.

O desempenho da moeda foi afetado pelo dia negativo nos mercados financeiros no mundo, provocado pelo colapso dos preços do petróleo a mínimas históricas, que agravou a percepção de piora para a economia global. Nem mesmo a intervenção do Banco Central, com a venda de US$ 500 milhões em operação no mercado à vista, segurou o movimento. A moeda saiu das máximas, mas acabou recuperando metade da queda.

 * Estagiário sob supervisão de Fabio Grecchi

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Guedes otimista com retomada

Rosana Hessel

21/04/2020

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, demonstrou otimismo com a retomada da atividade brasileira após a recessão que está se formando devido à pandemia da Covid-19. Ele evitou dar números e falou que as previsões atuais são meros “chutes”, porque nenhum modelo econométrico consegue prever a intensidade e a duração da crise. Mas garantiu que o Brasil vai surpreender na retomada. “Os modelos econômicos estão equivocados”, disse ontem, em uma teleconferência organizada pelo BTG Pactual.

“Qualquer economista sabe que houve mudança do regime e todos os modelos não funcionam. Qualquer um que está fazendo previsão está patinando em gelo fino”, afirmou. O ministro fez questão de ressaltar que, no começo do ano, antes de o coronavírus chegar ao país, o Produto Interno Bruto (PIB) fazia uma curva ascendente “enquanto o mundo estava desacelerando”.

Guedes apostou em uma recuperação mais acelerada, com a curva em V, ao contrário do que os economistas mais cuidadosos estão prevendo. “A nossa volta pode ser em V, e vamos surpreender o mundo. Ano passado, ninguém acreditava com a nossa capacidade de lidar com diferentes opiniões, e aprovamos a reforma da Previdência”, lembrou.

O ministro contou que tem respeitado as orientações de isolamento social, porque não entende de saúde e defendeu o distanciamento, ao contrário do presidente Jair Bolsonaro, que tem feito aparições em aglomerações no fim de semana. Para ele, o importante é preservar os sinais vitais da economia e “não significa sair do isolamento”.

Reformas

Em relação às políticas para a retomada da economia, o ministro defendeu a volta das reformas, a simplificação de tributos e a facilitação dos investimentos, principalmente das concessões em infraestrutura. Ele criticou a concessão de áreas de exploração de petróleo pelo regime de partilha e garantiu que pelo menos duas privatizações devem acontecer logo que for possível.

Ele voltou a defender a desoneração da folha de pagamentos, apesar de admitir que a carga tributária é elevada e não há espaço para aumento de impostos. Guedes ainda reforçou a necessidade da aprovação de propostas que já estavam no Congresso, como o Pacto Federativo, a PEC dos Fundos, o novo marco regulatório do saneamento e o projeto de lei de autonomia do Banco Central.

O ministro demonstrou preocupação com o desequilíbrio fiscal das contas públicas, que devem piorar devido às medidas emergenciais que estão sendo adotadas para conter os efeitos da crise e defendeu um ajuste fiscal logo assim que a pandemia for controlada. Criticou, por exemplo, o projeto de lei que obriga a União a cobrir a perda de arrecadação de estados e municípios com tributos, uma conta que pode chegar a R$ 220 bilhões, sem impor limites. Para o ministro, a proposta abre caminho para uma “farra fiscal”.