Correio braziliense, n. 20787 , 21/04/2020. Artigos, p.11

 

Brasília vai se mostrar mais forte

Ibaneis Rocha

21/04/2020

 

 

Brasília faz, hoje, 60 anos. Uma das mais jovens capitais do mundo. Se fosse gente, estaria chegando à terceira idade. Uma jovem senhora. Carrega alguns traços da idade e continua bela, muito bela.  Hoje tem desafios urgentes a enfrentar. A mim, governante, cabe ter um foco nesses dias de tantas preocupações: cuidar de Brasília. Zelar pelo seu povo. Manter vivas as alegrias e as esperanças em um futuro breve.

Nesta comemoração das seis décadas, as avenidas deveriam estar lotadas com muita gente — idosos, crianças, famílias, cachorros, barraquinhas, artistas, turistas, vendedores, curiosos. Estarão vazias. O colorido e o barulho do dia de festa darão vez ao silêncio interrompido por automóveis e os passarinhos. Alguns se arriscarão pelas quadras usando máscaras de proteção. A maioria ficará resguardada nas residências. Um cenário que nenhum dos mais engenhosos escritores de ficção ousou imaginar para nós.

Tão celebrada, capa de tantas revistas, modelo das mais icônicas fotos, tema de livros, a aniversariante Brasília faz parte da história do mundo. Hoje, porém, mais do que isso, Brasília vive o mesmo drama do mundo: aqui também se combate a doença, a pandemia, a peste que parece nunca abandonar de vez a humanidade, desta vez com o nome de novo coronavírus. Ou Covid-19.

No território de Brasília, o Distrito Federal, vive um povo que já nasce com o valor de ser de vanguarda, com a missão de liderar. De estar à frente das questões brasileiras que precisam ser resolvidas urgentemente. Agora lidamos com a doença. Precisamos enfrentá-la e vamos vencê-la.

A um governador cabe tomar decisões graves que impactam, de uma hora para outra, milhões de pessoas. Deliberações que precisam levar em conta múltiplos fatores: a sobrevivência da população, os vínculos familiares, os empregos, a maneira de ganhar o pão de cada dia, as rotinas, as aspirações, os medos, as angústias.  Fechar lojas, restaurantes, parques, orientar que tantos fiquem em casa são decisões que geram solidariedade, união e cooperação. Mas também críticas e perplexidades.

É necessário também que milhares continuem no trabalho, para manter Brasília viva. São os entregadores, os agricultores, os frentistas, o pessoal da limpeza, da zeladoria, as mulheres e homens dos bombeiros, da segurança pública. A cada um deles, Brasília agradece para sempre.

Ainda é preciso pensar nas contas públicas, nas folhas de pagamento, na capacidade de recuperação econômica, nos empreendedores que estão com os negócios fechados. E nos que não contam com trabalho fixo, nos sem-teto, nos que lutam por comida diariamente e para os quais a quarentena não é opção. É preciso, continuadamente, fazer escolhas que geram aflição a milhares.

E, sobretudo, é preciso ficar  junto ao sistema de saúde. Fazer projeções, monitorar os leitos dos hospitais, o pessoal, a chegada dos insumos.  É necessária uma dedicação imensa de todos para que a cadeia da saúde acomode não apenas as vítimas da pandemia, mas também mantenha os procedimentos da pesada rotina de todas as semanas do ano. Para cada paciente que recebe alta, nós devemos aplaudir de coração aos profissionais que os salvam. A eles, homens e mulheres, dedicamos os 60 anos de Brasília.

Por mais que tenhamos especialistas, assessorias, estudos, as decisões mais graves a serem tomadas neste tempo são solitárias. É momento de diálogo com a própria consciência. Nossos pareceres afetam o morador do Plano Piloto, os mais de 400 mil habitantes de Ceilândia, a sempre movimentada Taguatinga, os arranha-céus de Águas Claras, as comunidades carentes do Sol Nascente e do Itapoã, entre tantas outras. Mais: a verdade é que a decisão a ser tomada aqui provavelmente será replicada em tantos outros lugares do país. Daí a responsabilidade se multiplica.

Não são decisões frias, apenas técnicas. São ordens e orientações que carregam mudanças radicais nas trajetórias de tanta gente. O que nos guia neste período é que as decisões têm um norte: as pessoas, a vida. O que, no conjunto, será o melhor para todos.

De uma perspectiva histórica, Brasília foi vitoriosa em todas as batalhas que enfrentou. Sua própria construção e fundação, a linha de frente da interiorização do Brasil, a volta da democracia, o novo marco constitucional, a estabilidade econômica, a implantação dos programas para combater a pobreza. Em tudo isso fomos bem-sucedidos. Estamos vivendo uma guerra nova, de tamanho e perspectiva ainda não completamente conhecidas. Mas vamos vencê-la, assim como vencemos tantas outras.

Brasília. Uma civilização que nasceu de um sonho, da utopia, em breve vai se reencontrar, se reinventar, para sonharmos de novo.  

IBANEIS ROCHA

Governador do Distrito Federal