Correio braziliense, n. 20788 , 22/04/2020. Política, p.4

 

Protestos serão investigados

Jorge Vasconcellos

22/04/2020

 

 

Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, abre inquérito para apurar organização de atos antidemocráticos ocorridos no domingo. Deputados federais estão entre os alvos

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a abertura de inquérito para apurar a organização de manifestações em favor da volta do AI-5 — o ato que inaugurou a fase mais repressiva da ditadura militar (1964-1985) — e do fechamento do Congresso e da própria Suprema Corte. Um desses protestos ocorreu em Brasília, no domingo, com a presença do presidente Jair Bolsonaro. O magistrado, cuja decisão atende a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, também determinou o início das diligências e o sigilo das investigações.

O inquérito, que investiga possíveis violações à Lei de Segurança Nacional, tem deputados federais entre os alvos, o que justifica a competência do STF para a apuração. Na avaliação da PGR, não há indícios do envolvimento do presidente da República com a estruturação e a promoção desses eventos.

Segundo o despacho de Moraes, o fato narrado pelo procurador-geral da República é gravíssimo, por atentar contra o Estado democrático de direito e as instituições republicanas. O ministro assinalou que a Constituição Federal não permite o financiamento e a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado democrático (CF, artigos 5º, XLIV; 34, III e IV), nem tampouco a realização de manifestações nesse sentido, que violam as cláusulas pétreas da Carta — voto direto, secreto, universal e periódico; separação de poderes e direitos e garantias fundamentais (CF, artigo 60, §4º) —, “com a consequente instalação do arbítrio”.

Conforme a decisão de Moraes, são inconstitucionais, e não se confundem com liberdade de expressão, as condutas e as manifestações que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar o pluralismo de ideias e a força do pensamento crítico, indispensáveis ao regime democrático. Segundo o magistrado, elas ofendem e pretendem destruir os princípios constitucionais e as instituições republicanas, “pregando a violência, o arbítrio, o desrespeito aos direitos fundamentais. Em suma, pleiteando a tirania”.

“A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva”, escreveu.

A decisão de Moraes considera que é imprescindível a verificação da existência de organizações e esquemas de financiamento de manifestações contra a democracia e a divulgação em massa de mensagens atentatórias ao regime republicano, “bem como as suas formas de gerenciamento, liderança, organização e propagação que visam lesar ou expor a perigo de lesão os Direitos Fundamentais, a independência dos Poderes instituídos e ao Estado Democrático de Direito, trazendo como consequência o nefasto manto do arbítrio e da ditadura”.

Atentado

Ao requisitar a abertura do inquérito ao STF, Augusto Aras afirmou: “O Estado brasileiro admite única ideologia, que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”.

No domingo, Bolsonaro compareceu a um ato realizado em frente ao Quartel General do Exército em Brasília. Embora os participantes tenham gritado palavras de ordem contra o Congresso e o STF e pedido o fechamento das duas instituições, o chefe do governo fez um discurso em que manifestou apoio ao protesto.

Os manifestantes também exigiam a reabertura do comércio e o fim do distanciamento social, em sintonia com o posicionamento de Bolsonaro, que vai na contramão das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para conter o avanço da pandemia do novo coronavírus. Na ocasião, a presença do presidente no local causou aglomeração, contrariando as orientações da entidade internacional.

A manifestação, realizada no Dia do Exército, repercutiu negativamente na cúpula militar e no mundo político. O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, divulgou nota afirmando que as “Forças Armadas trabalham com o propósito de manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal”. O militar também ressaltou que o principal inimigo do país é o novo coronavírus.

Na segunda-feira, o ministro Gilmar Mendes, do STF, defendeu, em entrevista à GloboNews, a quebra dos sigilos telefônico e bancário dos suspeitos de envolvimento com a organização dos atos “contra a democracia”. Ele repudiou a defesa da volta da ditadura e disse que se trata de uma ameaça à democracia, o que “deve ser coibido”.

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Ações contra compartilhamento de dados

22/04/2020

 

 

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o PSDB, o PSB e o PSol entraram com ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), no Supremo Tribunal Federal, contra a Medida Provisória (MP) 954/2020, que prevê o compartilhamento de dados de usuários por empresas de telecomunicações com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para dar suporte à produção estatística oficial durante a pandemia do coronavírus.

As quatro ADIs foram distribuídas para relatoria da ministra Rosa Weber. As informações foram divulgadas pelo STF. A MP determina que as empresas de telefonia fixa e móvel disponibilizem à Fundação IBGE a relação dos nomes, números de telefone e endereços de seus consumidores, pessoas físicas ou jurídicas. Os dados compartilhados, segundo o texto, serão utilizados para a produção de estatística oficial por meio de entrevistas domiciliares não presenciais.

As ações impetradas no Supremo, no entanto, alegam que a MP “viola os dispositivos da Constituição Federal que asseguram a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, o sigilo dos dados e a autodeterminação informativa”. Além disso, as ADIs argumentam a “ausência dos pressupostos constitucionais de urgência e relevância para a edição de medida provisória”.

Na ação impetrada pela OAB, é sustentado que não há no texto da MP “qualquer vinculação necessária entre a finalidade para a qual serão empregados os dados coletados e a situação de emergência de saúde pública”.

Já na ação do PSDB, é apontado que “não há proporcionalidade na regra, que permite uma concentração de informações no Estado referente ao indivíduo e, principalmente, à coletividade”. Por sua vez, o PSB observa que “ao promover a disponibilização desregulamentada de dados pessoais, a MP possibilita a criação de uma estrutura de vigilância pelo Estado, que poderia viabilizar interferências ilegítimas sobre os cidadãos”.

Segundo o PSol, “a norma não é razoável porque, para pesquisa estatística, realizada por amostragem, não há necessidade dos telefones e dos endereços de todos os brasileiros”.

Frase

“(...) A MP possibilita a criação de uma estrutura de vigilância pelo Estado, que poderia viabilizar interferências ilegítimas sobre os cidadãos”

Trecho da argumentação na ação do PSB