O globo, n. 31664, 16/04/2020. Especial Coronavírus, p. 6

 

Unanimidade

Carolina Brígido

16/04/2020

 

 

STF decide que estados podem fazer isolamento

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que governadores e prefeitos têm poderes para decretar medidas restritivas no combate ao coronavírus em seus territórios. Eles podem determinar temporariamente o isolamento, a quarentena, o fechamento do comércio e a restrição de locomoção por portos e rodovias. Os nove ministros que votaram concordaram que o governo federal também pode tomar medidas para conter a pandemia, mas em casos de abrangência nacional.

No fim de março, o ministro Marco Aurélio Mello já havia tomado decisão nesse sentido. Agora, nove dos 11 ministros do STF votaram pela manutenção da liminar: o próprio Marco Aurélio, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e o presidente, Dias Toffoli. Luís Roberto Barroso e Celso de Mello não participaram do julgamento. Foi a primeira sessão em plenário organizada por videoconferência e transmitida pela internet.

O julgamento é de uma ação do PDT contra medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro estabelecendo que as agências reguladoras federais deveriam editar restrições à locomoção. Segundo o partido, a Constituição estabelece que saúde é atribuição comum da União, dos estados e dos municípios. Portanto, seria inconstitucional concentrar no governo federal a política de contenção do coronavírus.

A MP de Bolsonaro foi considerada uma forma de conter a atuação dos governadores na gestão da crise do coronavírus. No meio político, a norma foi vista como uma resposta às medidas de restrição de locomoção nos estados editadas pelos governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, adversários políticos do presidente.

Ministros disseram que o governo federal pode coordenar as diretrizes de isolamento a serem seguidas em todo o país, mas não tem poder para retirar a autonomia dos estados e municípios na gestão local. Por outro lado, governadores e prefeitos não teriam legitimidade para fechar uma rodovia e,dessa forma, prejudicar o abastecimento nacional.

—Não é possível que a União queira ter o monopólio da condução administrativa da pandemia nos mais de cinco mil municípios, isso é absolutamente irrazoável. Como não é possível que os municípios se tornem repúblicas autônomas, fechando seus limites geográficos — disse Alexandre de Moraes.

O ministro Gilmar Mendes ressaltou que o poder do presidente não é absoluto.

— O presidente tem o poder de substituir o ministro da Saúde, mas a Constituição lhe veda adotar uma política de caráter genocida.

AGU VÊ “CAOS JURÍDICO”

Edson Fachin cobrou coordenação do governo federal:

— A União exerce a sua prerrogativa sempre, desde que veicule uma norma que organize essa cooperação. No silêncio da legislação federal, estados e municípios têm presunção de atuação. Não se pode tolher o exercício da competência dos demais entes federativos.

Fachin e Moraes foram além e declararam que estados e municípios têm poderes inclusive para decretar quais serviços são essenciais durante a pandemia, para determinar que alguns setores não paralisem suas atividades.

Ao defender a posição do governo antes da votação, o advogado-geral da União, André Mendonça, disse que decisões isoladas de prefeituras e governadores têm provocado “caos jurídico” e desabastecimento. Ele citou como exemplo municípios que suspenderam a atividade de exploração de petróleo e também normas restritivas para o transporte coletivo intermunicipal.

— Fechar um município é fechar o acesso da população local a serviços essenciais, a uma série de providências — argumentou Mendonça. — Muitos dizem que vivemos crise de saúde. Mas é maior. Nós vivemos uma crise de Estado, porque é também crise de emprego, da economia, de infraestrutura, de segurança.

Em posicionamento em outra ação no Supremo, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que o governo federal não tem poder de derrubar medidas de quarentena impostas por estados e municípios. Essa nova manifestação de Aras foi em resposta a uma liminar concedida por Alexandre de Moraes, proibindo o governo de derrubar medidas locais. Foi o primeiro posicionamento de Aras de forma contrária aos interesses do presidente Jair Bolsonaro no combate ao coronavírus.

“Não é possível que a União queira ter monopólio da condução administrativa da pandemia. É irrazoável”

 Alexandre de Moraes

“Regras constitucionais não servem só para proteger liberdade individual, mas também o exercício da racionalidade coletiva”

Edson Fachin

“O presidente tem o poder de substituir o ministro da Saúde, mas a Constituição lhe veda adotar política de caráter genocida”

Gilmar Mendes