O globo, n. 31663, 15/04/2020. Opinião, p. 2

 

STF serve de barreira para conter Bolsonaro

15/04/2020

 

 

Já se sabe que o poder destrutivo deste coronavírus é imenso, tendo conseguido paralisar as economias por onde passa, danificar o sistema produtivo em dimensões globais, enquanto espalha tragédia e dor num rastro de mortes que não discrimina países. Sua capacidade desestabilizadora pode ser constatada na política, na economia, na vida de bilhões de pessoas, cuja rotina foi virada de cabeça para baixo do dia para a noite.

No Brasil e em outros países, entre inúmeros efeitos colaterais, a pandemia consegue acirrar conflitos entre poderes e entes federativos. O desentendimento entre o presidente Bolsonaro —contrário à adoção do isolamento social defendido pelo seu próprio Ministério da Saúde para conter o avanço da epidemia — governadores e prefeitos que apoiam o método, adotado sob o aval da medicina e da Ciência, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma disputa que, se espera, aumente a confiança da sociedade na capacidade de as instituições republicanas darem proteção contra desvarios de uma falange de extrema direita encastelada no governo.

Contrariado porque estados grandes como São Paulo e Rio adotam o isolamento social e bloqueiam o funcionamento de atividades, menos as essenciais, Bolsonaro passou a ameaçar decretar a suspensão das medidas. Mas está legalmente impedido de usar a caneta para isso, desde a quarta-feira passada, quando o ministro do Supremo Alexandre de Moraes acolheu pedido de liminar feito pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que seja reconhecido o poder de estados, municípios e Distrito Federal de também agir na proteção e defesa da saúde.

Para Moraes, “não compete ao Poder Executivo federal afastar unilateralmente as decisões dos governos estadual, distrital e municipais” (..), “medidas restritivas como a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena” (...),

“entre outros mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de mortes e de óbitos, como demonstram a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e vários estudos técnicos científicos (...)”. E cita trabalhos do Imperial College of London.

O entendimento do ministro reforça que a Ciência e a medicina são os únicos referenciais que o governo tem de considerar em suas ações, princípio que deverá ser referendado pela Corte. Não faria sentido qualquer outro entendimento. A irresponsabilidade de Bolsonaro na questão da saúde tem pelo menos servido para que fique estabelecido que preceitos constitucionais, reforçados por leis como a de nº 13.979, de fevereiro, que fixa normas para o enfrentamento da epidemia e determina a obediência das autoridades a “evidências científicas” para tomar decisões, servirão sempre para barrar políticos delirantes que possam colocar a saúde da população em risco, movidos por outros interesses ou forças.