O globo, n. 31663, 15/04/2020. Especial Coronavírus, p. 5

 

Distância necessária

Constança Tatsch

Evelin Azevedo

Renato Grandelle

15/04/2020

 

 

Coronavírus pode provocar novos confinamentos

GABRIEL MONTEIRONova rotina. Jovem anda de máscara no Centro do Rio de Janeiro: hábito pode ser incorporado ao cotidiano

 Um único período de confinamento não irá pôr fim ao SarsCoV-2, e períodos repetidos de distanciamento social podem ser necessários até 2022, para evitar que os hospitais fiquem sobrecarregados. A conclusão é de um estudo da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, publicado na revista “Science”, que prevê que a doença se tornará sazonal nos próximos anos, assim como outros coronavírus, que causam resfriados.

Há, no entanto, uma série de enigmas pela frente, como a intensidade com que se manifestará o novo coronavírus a partir de agora e em que período será mais comum. Tampouco se sabe qual será o nível de imunidade adquirido por pessoas que foram infectadas em outras ocasiões. A pesquisa indica que, em países de clima temperado, a doença deverá ser mais vista durante o inverno, mas não há conclusões relacionadas a seu comportamento em localidades como o Brasil.

A duração e intensidade dos confinamentos poderão ser relaxadas à medida que tratamentos e vacinas se tornarem disponíveis. Na ausência desses recursos, porém, é recomendável manter políticas de distanciamento, que darão tempo para que os hospitais se preparem para receber novos pacientes.

Para a presidente da Sociedade de Infectologia do Estado do Rio de Janeiro, Tânia Vergara, o estudo da Universidade Harvard é “muito bom”, mas tem uma limitação: usar como parâmetro outros coronavírus e não levar em conta as reinfecções, como as que estão sendo estudadas na Coreia do Sul.

Vergara pondera que, no Brasil, não há medidas de isolamento total, apenas afastamento social para “evitar que todas as pessoas adoeçam ao mesmo tempo, pois não há sistema de saúde no mundo que aguente”. Mesmo assim, acredita que o retorno à vida normal será mesmo gradual:

—Ainda não estamos capacitados para absorver o contingente de pessoas que necessitarão de hospitalização assim que começarmos a relaxar nossas medidas. Precisamos saber a velocidade de propagação versus o número de leitos disponíveis. Há vários estudiosos no mundo pensando em estratégias para que possamos retomar as nossas atividades.

O infectologista Leonardo Weissmanndes taca a imprevisibilidade do comportamento do Sars-CoV-2 diante do clima e da temperatura.

— Também não temos certeza se o contágio pelo vírus protege pela vida toda ou se o indivíduo pode ser infectado po relem ais deu ma vez. Apre visãoém ais otimistas e tivermos mais leitos em unidades de terapia intensiva, ou se for descoberta uma vacina eficaz — explica Weissman, que é conselheiro da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Professor do Departamento de Microbiologia da UFRJ, o virologista Flávio Guimarães da Fonseca ressalta que a comunidade científica “espera desesperadamente” por uma vacina.

— Sem ela, estaremos sujeitos a uma nova epidemia — alerta. — É uma característica do Sars-CoV-2: há pelo menos quatro coronavírus em circulação no Brasil, são eles que causam o resfriado comum. O problema é que temos resfriado todo ano, o que nos mostra que o vírus tem uma alta capacidade de mutação ainda não compreendida pelo nosso sistema imune.

Fonseca, porém, adverte que o Sars-CoV-2 pode provocar uma infecção mais profunda do que seus primos. O grau de letalidade, portanto, pode ser maior.

Para o virologista, o coronavírus mudará a “educação respiratória” do planeta: as pessoas começarão a usar máscara assim que tiverem sintomas de resfriado, e será normal que, nessa situação, grupos de risco, como pessoas acima de 60 anos, fiquem recolhidos.