O globo, n. 31663, 15/04/2020. Especial Coronavírus, p. 9

 

A blindagem de Aras

Aguirre Talento

15/04/2020

 

 

O procurador-geral da República, Augusto Aras, tomou uma medida inédita na história da instituição, que blinda o governo do presidente Jair Bolsonaro de demandas de procuradores de outras instâncias do Ministério Público Federal (MPF). Na prática, passa a exercer um controle sobre a atividade dos colegas, embora os procuradores tenham garantida sua independência funcional.

Criticado internamente por não tomar ações concretas contra o presidente, Aras estava sendo atropelado por outros procuradores da primeira instância do MPF, que obtiveram decisões judiciais derrubando trechos de decreto de Bolsonaro sobre reabertura de igrejas e suspendendo a divulgação de propaganda institucional do governo federal que pediria o retorno das pessoas às ruas. Também a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do MPF, tem expedido pedidos de informações ao governo federal sobre as políticas adotadas na pandemia.

Diante desse cenário, Aras enviou ofícios para os ministérios do governo federal solicitando que demandas enviadas por outros procuradores a respeito do coronavírus sejam reencaminhadas a um gabinete da PGR sob seu controle, o Gabinete Integrado de Acompanhamento do Covid-19 (Giac), para que ele possa avaliar a pertinência das manifestações dos colegas. Nesses ofícios, Aras cita que a atribuição para se dirigira os ministros de E sta doépriv ativado procurador geral da República, sugerindo que os procuradores de outras instâncias estão usurpando sua competência por meio de ofícios enviados atécnicos dos ministérios.

A recomendação de Aras não impede procuradores de continuarem apresentando ações na primeira instância, o que vem ocorrendo. Na prática, a ação do procurador-geral apenas desobriga os ministérios a responderem a ofícios que chegarem dos procuradores, colocando esses pedidos debaixo do crivo do procurador-geral.

A reportagem teve acessoa um desses ofícios, enviado ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, no último dia 8. Alei citada por Aras aponta que requisições de procuradores do MPF destinadas ao presidente da República e ministros de Estado serão enviadas ao PGR para que este encaminhe a demanda do procurador, mas não diz que só o procurador-geral pode fiscalizar atos do governo federal. Além disso, procuradores podem enviar recomendações e pleitos às áreas técnicas do governo, como ao secretário-executivo das pastas, cargo equivalente ao número dois na hierarquia dos ministérios, sem se dirigir diretamente aos ministros. A ação de Aras provocou reação internados procuradores, que apontam uma violação à independência funcional deles e à autonomia de ação.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, afirma que essas ações dos procuradores não precisam passar pelo crivo do PGR:

— A medida fere a independência de atuação do MPF em todo o país.

Procurada, a PGR afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que Aras tem defendido uma centralização na tomada de decisões sobre o coronavírus. A PGR afirma que há uma norma baixada em 2014 pelo então procurador-geral, Rodrigo Janot, determinando que somente o PGR tem atribuição para se dirigira ministros de Estado.

Os 24 procuradores que atuam no grupo instituído por Aras sobre a Covid-19 divulgaram uma nota pública se posicionando contra a medida e afirmando que não foram consultados. A ANPR já estuda apresentar uma ação judicial para cassara medida de Aras.