Título: O horror da violência contra a mulher
Autor: Guimarães, Lázaro
Fonte: Correio Braziliense, 04/12/2012, Opinião, p. 15

Magistrado e professor

Os poetas esgotaram o tema da fragilidade do ser humano, mas a realidade não cansa de produzir eventos que superam a criação literária. Para reduzir o foco na abordagem do tema, tome-se o exemplo retratado no livro The comandante’s prisoner (A prisioneira do comandante), de Francisco Olivares, lançado dias atrás em Nova York, à base do relato da juíza venezuelana María Lourdes Afiuni, presa desde dezembro de 2009, provavelmente por ordem do presidente Hugo Chávez, sob acusação de ordenar a soltura de um empresário inimigo do regime.

Afiuni, segundo a narrativa do escritor, foi torturada e estuprada na prisão. Grávida, submeteu-se a prática abortiva. A juíza enfrentou o processo com altivez, negando-se a declarar o que dela exigiam para uma pena branda: admitir ter sido subornada. Agora, recolhida à prisão domiciliar, graças à interferência do intelectual norte-americano Noam Chomsky, ativista de esquerda e amigo de Chávez, a magistrada se arrisca, com a denúncia de maus-tratos, a voltar à cadeia, pois a diretora regional de presídios, Isabel Gonsalez, anunciou à imprensa internacional que vai mover um novo processo contra a prisioneira.

O estupro, segundo Francisco Olivares, ocorreu em 2010, e a gravidez foi comunicada ao presidente Chávez, que teria ordenado sigilo em torno do assunto. Esse é o resumo de um quadro grotesco, revelador da crueldade dos algozes e da inutilidade dos protestos das organizações independentes de defesa dos direitos humanos que, nos três últimos anos, recorreram aos tribunais internacionais em defesa da juíza venezuelana.

As mulheres de coragem extrema muitas vezes só obtêm o reconhecimento da sociedade depois do sofrimento e até da morte. Outro exemplo é o da missionária norte-americana Dorothy Day, cuja canonização é postulada pela Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos, com o apoio fervoroso do arcebispo de Nova York, cardeal Timothy Dolan, da ala conservadora da Igreja.

Dorothy Day, nascida em 1897, atuou como jornalista e aproximou-se do Partido Comunista, mas, em 1927, converteu-se ao catolicismo, integrou-se às obras sociais e combateu fortemente o aborto. Durante décadas, devotou sua vida aos princípios da justiça social, inclusive o pacifismo e a ajuda aos pobres. A hierarquia da Igreja Católica não aplaudia as ações da missionária e nenhum bispo compareceu ao seu sepultamento, mas cede à pressão das comunidades, para santificar aquela a quem fora indiferente.

O cardeal Dolan empenha-se agora no procedimento de canonização, que depende fortemente de apoio financeiro, em razão da sua cruzada contra a tendência do governo democrático de apoiar o movimento pela extensão do direito da mulher à cessação da gravidez e pela legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Um terceiro caso representativo de superação da fragilidade humana, especialmente da mulher, é o da pernambucana que teve os dois filhos levados pelo pai, um oficial de justiça, para local que restou desconhecido por mais de cinco dias. Juliana Accioly peregrinou pelas ruas de Recife e João Pessoa, distribuindo panfletos com fotos do ex-marido e dos filhos e o pedido de colaboração, até que esse seu esforço resultou na localização do pai fugitivo e das crianças.

As três situações retratadas são positivas, não resultaram em tragédias, como acontece com tantas mulheres no mundo inteiro. O jornal italiano La Republica, dias atrás, publicou longa reportagem mostrando que uma em cada quatro italianas é vítima de abusos por parte dos companheiros. Somente a ação coordenada da sociedade civil, ao lado da polícia, do Ministério Público e da Justiça será capaz de reverter esse quadro de horror de que padecem as mulheres e todos os que se encontram em posição vulnerável, quer pela precária condição econômica, quer pela velhice, situação que enseja comumente a exploração de parentes gananciosos, ou pela incapacidade de resistência, como nas crianças e nos deficientes físicos.