Título: Israel intransigente
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 04/12/2012, Mundo, p. 16

Em ação coordenada, países europeus convocam embaixadores israelenses para esclarecer expansão de colônias judaicas. Sob pressão, Netanyahu promete não recuar

A decisão do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, de acelerar a construção de assentamentos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental e de “ressuscitar” um projeto vetado pelos Estados Unidos há quase duas décadas provocou uma crise diplomática sem precedentes nas relações com nações da União Europeia (UE). Os governos de França, Reino Unido, Suécia, Espanha e Dinamarca convocaram os embaixadores de Israel em seus respectivos países a se explicarem sobre os planos do primeiro-ministro de impulsionar as obras e de reter a receita dos impostos arrecadados pela Autoridade Palestina (AP). Alemanha, Rússia e Itália também apelaram para que Netanyahu desista da ideia e não economizaram nas críticas. A manobra concertada não comoveu o primeiro-ministro. “Não haverá mudança de decisão. Israel atuará de acordo com seus interesses estratégicos e de segurança, independentemente da pressão internacional”, informaram fontes do gabinete israelense. O anúncio de Netanyahu é visto por especialistas como uma manobra política às vésperas das eleições e como uma retaliação à AP pela obtenção do status de Estado observador não-membro das Nações Unidas. Eles advertem que a medida pode isolar ainda mais Israel da comunidade internacional.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, alertou que as 3 mil casas a serem erguidas no corredor E1 — uma área de 11,9km2 que se estende de Jerusalém Oriental até o sul da Cisjordânia — podem colocar abaixo qualquer expectativa de paz no Oriente Médio. As obras uniriam Jerusalém Oriental à colônia judaica de Ma’ale Adumim. “Isso representaria um golpe quase fatal às chances restantes de garantir uma solução de dois Estados (para o conflito)”, advertiu Ki-moon. O temor foi compartilhado pelos governos europeus. Depois de sabatinar Daniel Taub, embaixador de Israel no Reino Unido, o ministro britânico para o Oriente Médio, Alistair Burt, foi incisivo ao expor os riscos da expansão das colônias. “O plano de assentamentos tem o potencial de alterar a situação no terreno, em uma escala que ameaça a viabilidade de uma solução com dois Estados”, afirmou.

O presidente da França, François Hollande, revelou incômodo com o tema. “Estamos preocupados com as decisões anunciadas e espero que não sejam aplicadas”, disse. “Esse projeto colocará em questão a posição fundamental da comunidade internacional de dois Estados”, emendou. Aliado incondicional do governo judaico, os EUA sugeriram a Netanyahu que repense o anúncio. “Nós exortamos os líderes israelenses a reconsiderarem as decisões unilaterais e a exercitarem o comedimento, pois tais ações são contraproducentes”, declarou Jay Carney, porta-voz da Casa Branca.

Provocação

“Esta é uma das mais graves crises na história das relações entre a UE e Israel. A decisão israelense é extremamente provocadora, aos olhos do bloco, e tem despertado intensa raiva”, comentou ao Correio o sueco Ulf Bjereld, professor de ciência política da Universidade de Gotemburgo. Apesar de admitir que as nações europeis não dispõem de ferramentas diplomáticas consistentes para agir, Ulf acredita que o bloco renegociará a posição privilegiada de Israel em temas comerciais com a UE.

Para o iraquiano Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York, a retomada do projeto E1 é um “desafio descarado da comunidade internacional e, especialmente, dos EUA e da UE”. “Amigos e inimigos de Israel interpretam esse anúncio como uma afirmação do governo de Netanyahu de não permitir o estabelecimento de um Estado da Palestina independente”, analisa. Zachary Lockman, professor de história do Oriente Médio na mesma universidade, explica que, segundo o direito internacional, todos os assentamentos judaicos erguidos para além das linhas de armistício são ilegais. “A implementação do plano E1 significaria dividir a Cisjordânia, com uma faixa povoada por judeus. Isso tornaria um Estado palestino ainda menos viável”, advertiu, em entrevista por e-mail.

Estamos preocupados com as decisões anunciadas (por Israel) e espero que não sejam aplicadas”

François Hollande, presidente da França

O plano de assentamentos tem o potencial de alterar a situação no terreno, em uma escala que ameaça a viabilidade de uma solução com dois estados”

Alistair Burt, ministro do Reino Unido para o Oriente Médio

3 mil Número de casas que serão erguidas pelo governo israelense em uma área chamada de E-1 na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental

500 mil Total de judeus que vivem em mais de 100 assentamentos construídos desde a ocupação dos territórios palestinos

Pontos de vista

“A decisão do governo de Benjamin Netanyahu é vista como uma provocação direta aos palestinos e poderia levar à violência renovada. Os Estados Unidos e a União Europeia pretendem evitá-la, pois isso desestabilizaria o já instável Oriente Médio. Ninguém pode se beneficiar de tal manobra de confrontração de Netanyahu. Principalmente os israelenses, que se tornam cada vez mais isolados no cenário internacional.”

» Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais e especialista em Oriente Médio pela Universidade de Nova York

“Eu não vejo qualquer base legal para a construção de 3 mil novas casas na Cisjordânia e em Jeruslaém. Por várias vezes, as Nações Unidas têm declarado que esse tipo de assentamento é ilegal. Mas o que está em questão é a política do poder israelense, relacionada aos palestinos (a fim de criar uma nova realidade sobre a região) e à proximidade das eleições em Israel (em 22 de janeiro de 2013, o país escolherá o Parlamento.”

Ulf Bjereld, professor de ciência política da Universidade de Gotemburgo (Suécia)

“Os assentamentos e o uso do poder militar israelense para tentar impor sua vontade sobre os palestinos e sobre outros árabes têm danificado a imagem do Estado judaico. Aos olhos do mundo, será visto como uma nação pária, que utiliza da força e de seu poder superior para evitar chegar a um acordo razoável com os palestinos.”

» Zachary Lockman, professor de história do Oriente Médio da Universidade de Nova York

“Israel não está enfrentando uma crise. Isso será esquecido em duas semanas. A ONU acaba de desfazer toda a base sobre a qual israelenses perderam centenas de parentes, mortos por terroristas, e sofreu um grande retrocesso estratégico, ao tentar fazer a paz. A existência de alguns poucos apartamentos no futuro não é o tema que importa.”

» Barry Rubin, diretor do Centro de Pesquisa Global em Assuntos Internacionais, baseado em Herzliya (Israel)