Título: Ameaça à memória da capital
Autor: Campoli, Clara; Alcântara, Manoela
Fonte: Correio Braziliense, 04/12/2012, Cidades, p. 21

Projeto de reforma de prédio da 308 Sul, quadra pioneira em Brasília, previa a retirada de azulejos para a colocação de revestimento de mámore. Iphan no entanto, vetou a mudança e ordenou a reposição das peças para alívio de muitos moradores

Na semana em que Brasília celebra os 25 anos do título de Patrimônio Cultural da Humanidade, moradores e frequentadores da 308 Sul se assustaram com uma suposta agressão à história da cidade. Painéis de azulejos de dois blocos, tão antigos quanto a superquadra considerada modelo no plano urbanístico de Lucio Costa, estariam sendo destruídos para dar lugar a paredes brancas. Mas, para alívio deles e dos demais defensores da única cidade moderna detentora da honraria do órgão da ONU, as cinquentenárias peças, consideradas obras de arte, serão trocadas por outras idênticas.

Os painéis sob ameaça de destruição ficam nos blocos D e F. Ambos passam por reformas nos pilotis e demais áreas comuns, incluindo a troca do piso. Azulejos idênticos ordenavam os nove blocos da 308 Sul, que começaram a ser construídos em 1959 e são cercados por conjunto paisagístico de Burle Marx. Moradores temiam que a mudança nesses dois prédios descaracterizasse a quadra, como ocorreu em outros dois edifícios vizinhos, onde as obras de arte deram lugar a revestimentos de mármore sem nenhum valor cultural.

Diferentemente do que pensavam alguns, as peças não são de autoria de Francisco Brennand nem de Athos Bulcão. Sem a assinatura dos artistas famosos, mas de grande importância histórica, os painéis de cerâmica rústica são pintados com círculos pretos e losangos marrons. No caso do Bloco D, alguns azulejos estão sendo retirados ou mesmo quebrados em função de melhorias nos sistemas elétrico e hidráulico. “Mas tudo vai ser reposto exatamente igual. Aliás, em uma parte, o painel será até ampliado, pois aumentamos uma parede”, garante Eldyr Cardoso, 83 anos, síndica do Bloco D. Já no Bloco F, as paredes continuam intactas e assim devem permanecer, com obras restritas ao piso.

Manutenção Condôminos do Bloco D até que tentaram pôr abaixo o painel que adorna o pilotis do prédio. Queriam colocar mármore no lugar, mas tiveram o projeto rejeitado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O órgão exigiu a manutenção das cerâmicas ou a substituição por peças idênticas, em caso de reforma do espaço. Com isso, a empresa contratada para a revitalização do edifício teve de recorrer a uma empresa especializada. “Para manter a originalidade, estão sendo feitas peças idênticas, pintadas artesanalmente com um tinta especial, que não amarela com o tempo”, conta o engenheiro José Evilácio Dias, responsável pela obra.

Dessa forma, o revestimento ficou mais caro do que o esperado, pois, cada peça, sairá por R$ 100. Toda a empreitada, que inclui a troca do piso do piloti, reforma das guaritas e da garagem coberta e a construção de escadas com rampas para deficientes custará R$ 300 mil. A revitalização começou há um mês e a previsão é que o serviço termine em março, quando o prédio deverá estar como novo, mas mantendo características originais, com azulejos nos pilotis e cobogós brancos.

Os temores dos moradores da 308 Sul se justificam porque, constantemente, a quadra pioneira sofre agressões urbanísticas. Uma delas ocorreu em julho do ano passado, quando técnicos de uma empresa contratada pela Companhia Energética de Brasília (CEB) pintaram os azulejos verdes que revestiam a casa de força da superquadra, com tinta plástica branca. Sobre a estrutura, foram colocadas cercas de arame farpado. Há cinco décadas, o espaço foi estruturado de forma a garantir a integração ao projeto urbanístico de Burle Marx. Das cores ao material, nada havia sido definido ao acaso, já que os azulejos se integravam aos jardins, misturando-se com discrição às árvores.

A alteração na paisagem mobilizou a comunidade. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) classificou a medida como uma agressão ao tombamento e prometeu tomar medidas jurídicas para obrigar o governo a restaurar o local, deixando a casa de força com as mesmas características originais. As reclamações dos moradores e do Iphan se justificam porque a 308 Sul foi tombada em 2009. Além do decreto que garante a preservação do plano original de Brasília, elaborado pelo urbanista Lucio Costa, há também uma legislação específica que protege a unidade de vizinhança formada pelas superquadras 107, 108, 307 e 308 da Asa Sul.

Um ano antes da agressão da CEB, a comunidade da região celebrou o centenário de Burle Marx no local e os azulejos verdes serviram de mural para pôsteres com trabalhos do paisagista. Em meio aos protestos, a assessoria de comunicação da Companhia alegou que estava em um processo de reforma de pelo menos 300 subestações em todas as quadras do DF. Segundo a empresa, a ideia era aplicar a tinta plástica branca e, em seguida, convidar artistas ou integrantes do projeto Picasso Não Pichava para decorar os espaços. A ideia era usar a 308 Sul como projeto-piloto e depois estender a iniciativa para outros locais.

Ceramista

Pernambucano de Recife, Francisco de Paula de Almeida Brennand é um escultor e artista plástico que desenvolve seu trabalho com diversos suportes, sendo mais conhecido como ceramista. Com ascendentes ingleses, é primo de Ricardo Brennand.