Correio braziliense, n. 20790 , 24/04/2020. Brasil, p.6

 

Liberada, mas com restrição

Bruna Lima

24/04/2020

 

 

Conselho Federal de Medicina diz a Bolsonaro que não há evidência de benefício da hidroxicloroquina, mas autoriza prescrição por médicos em casos leves da Covid-19. Substância não poderá ser utilizada de forma preventiva e profissionais deverão explicar riscos

Mesmo sob os holofotes e incorporada ao vocabulário dos brasileiros, a hidroxicloroquina não ganhou a recomendação do Conselho Federal de Medicina (CFM) para compor o tratamento de pacientes internados com Covid-19. O órgão disse “não haver evidências científicas” para protocolar o uso, mas liberou a substância em condições específicas. A atualização foi discutida, ontem, em reunião com o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Nelson Teich, no Palácio do Planalto.

O presidente do CFM, Mauro Luiz de Britto, explicou que, apesar de ser uma droga amplamente utilizada para tratamento de outras doenças há 70 anos, não existe, no caso da Covid-19, estudo randomizado, ou seja, quando se analisa a eficiência do medicamento comparando um grupo que fez uso dele e outro que não fez. “O que estamos fazendo é dar ao médico brasileiro o direito de, junto com seu paciente, em decisão compartilhada com seu paciente, utilizar essa droga. É uma autorização. Não é recomendação”, disse Britto.

Esta decisão partiu de estudos observacionais que, apesar de não terem alto valor científico, servem como base em momentos de emergência de saúde, como é o caso da pandemia. “A opção foi dar um pouco mais de valor ao aspecto observacional de vários médicos sérios, que têm usado essa droga e relatado bons resultados. Em outra situação, o CFM não liberaria o uso da droga, a não ser em caráter experimental”, explicou.

Antes, o Ministério da Saúde já havia emitido uma orientação, focando apenas nos casos mais graves de infectados pelo novo coronavírus. Agora, a substância foi liberada pelo CFM mediante três situações específicas. Quando o paciente está em estado grave, respirando por aparelhos em uma UTI e já com lesão pulmonar identificada. Também está permitida a aplicação em pacientes leves, desde que descartada a possibilidade do paciente estar infectado por influenza A ou B, dengue, ou H1N1. E, como última alternativa, a aplicação em pacientes com sintomas mais severos de Covid-19, quando o doente procura o hospital.

Nos três casos, a autorização do paciente ou de familiares é obrigatória. “É uma decisão compartilhada e o médico é obrigado a explicar para o paciente que não existe nenhuma evidência de benefício do uso da droga e que a droga pode também ter efeitos colaterais importantes”, disse Britto.

Em coletiva de imprensa sobre as atualizações de ações de combate ao novo coronavírus, o ministro Nelson Teich reiterou a fala do presidente do CFM. “A recomendação vai acontecer –– seja com a hidroxicloroquina, seja com qualquer outro medicamento –– no dia que a gente tiver uma evidência científica clara de que (o medicamento) comprovadamente funciona”, garantiu.

O uso da hidroxicloroquina foi defendido publicamente pelo presidente Bolsonaro como tratamento para a Covid-19 e alternativa para justificar a flexibilização de medidas de contenção social. A cloroquina é usada para tratar doenças como malária, lúpus e artrite. O medicamento não pode ser manipulado sem indicação médica e precisa ter a dosagem específica para cada caso. Sem isso, os efeitos colaterais podem prejudicar o organismo e até levar à morte.

Pesquisa

Mais de 500 ensaios clínicos estão sendo estudados atualmente na tentativa de achar um tratamento para o novo vírus. Grupos de pesquisadores brasileiros têm unido esforços para avançar nos estudos que certifiquem a eficácia do uso da medicação. Uma das iniciativas que estudam alternativas de tratamentos contra o coronavírus é a Coalizão Covid Brasil.

Hospitais de referência que incorporam o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS) tocam cinco projetos de pesquisa, sendo três para avaliar pacientes em alas hospitalares e unidades de terapia intensiva, um para avaliar o seguimento um ano após a alta e um para avaliar pacientes não hospitalizados com diagnóstico positivo para a doença.

Na pesquisa voltada à análise dos efeitos da hidroxicloroquina, o foco é tratar casos leves com a substância, verificando se o uso interfere no quadro clínico com o intuito de reduzir a internação. São monitorados 1,3 mil pacientes: metade receberá o medicamento e a outra metade, não, de forma a conseguir mensurar o real efeito da substância.

A estimativa do Conselho de Medicina é de que em dois meses o mundo tenha respostas mais sólidas sobre o que funciona para combater a doença.

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Pico da Covid-19 no Amazonas será em maio

Maria Eduarda Cardim

24/04/2020

 

 

Apesar de ser um dos estados do Brasil que já registram um colapso do sistema de saúde por causa do novo coronavírus, o Amazonas ainda deve ver a situação da própria capital piorar nos próximos dias, de acordo com as projeções feitas pelo governo do estado. O governador do Amazonas, Wilson Miranda Lima, afirmou, ontem, que o pico de casos da Covid-19 em Manaus deve acontecer na primeira quinzena de maio. O Amazonas é o quinto estado com mais óbitos e casos confirmados. Segundo o Ministério da Saúde, são 2.888 pessoas infectadas e 234 mortes.

“Aqui na capital os especialistas fazem projeções de quando a gente deve ter o pico da doença, e esse pico, de acordo com eles, deve ocorrer na primeira quinzena de maio”, disse Wilson Lima, durante a audiência pública sobre a situação do Amazonas, realizada pela comissão externa do coronavírus da Câmara dos Deputados. O gestor do estado afirma que a capital se prepara para o pior.

Um dos maiores problemas é a falta de leitos para receber os doentes. Segundo a secretária estadual de saúde, Simone Papaiz, existem hoje 668 leitos para atendimento de pacientes com Covid-19 no Amazonas, dos quais 222 são UTIs e 446 são leitos de enfermaria. Simone afirma que o estado necessitaria de 2.190 leitos exclusivos para atendimento e assistência à Covid-19.

A secretária estadual de Saúde do Amazonas declarou que a maior dificuldade enfrentada é a compra de respiradores, equipamento necessário para montar um leito de UTI. “Só vamos conseguir chegar a um número total de leitos à medida que conseguirmos fazer a compra desses respiradores”, afirmou. O governador ressaltou o pedido que já vem sendo feito pelo governo do estado. “O Amazonas precisa de equipamentos e insumos: respiradores, Equipamentos de Proteção Individual e recursos humanos”, afirmou Wilson.

O governador ainda pontuou que o estado convive com duas pandemias: o novo coronavírus e a H1N1. “Estamos no período do inverno amazônico, onde há uma chuva mais intensa. Isso facilita as síndromes respiratórias e faz com que as nossas unidades de saúde estejam lotadas. Nós estamos trabalhando no nosso limite”, disse. Wilson Lima ressaltou também uma preocupação com o interior do estado. De acordo com ele, 32 municípios do Amazonas já registraram casos do novo coronavírus. “Já temos mortes no interior. O município de Manacapuru é um dos que mais preocupa”, indicou.

Desabafo

Enquanto o governador alertava aos deputados sobre a situação do estado, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, aproveitava o momento para fazer um novo desabafo sobre a situação da capital do Amazonas. O prefeito, que já chorou e chegou a cobrar o respeito do presidente Jair Bolsonaro, disse, ontem, que apesar do esforço feito para manter a população em casa, as “aparições” do presidente da República têm desmobilizado a população.

“Fazemos um esforço danado para conservar as pessoas em casa. Essas aparições do presidente da República, dizendo que não há perigo e que é para ir para rua, desmobilizam. Então, eu não consigo, aqui, a mobilização necessária que a Inglaterra e a Alemanha conseguiram”, afirmou. Virgílio Neto afirmou que não existe a possibilidade de Manaus retomar completamente as atividades econômicas. “Mais pessoas vão adoecer e procurar hospitais, que já estão lotados”, justificou.

O prefeito disse que como nenhuma cidade do interior tem UTI, as pessoas se deslocam até Manaus para tentar conseguir um leito na capital. “Estamos inventando soluções porque as mortes, que eram de 20 a 30 por dia, em Manaus, de repente viraram 66, depois 88, 106, 135... E, cada vez, temos mais mortes em casa. Ou seja, as pessoas não conseguiram ser tratadas pelo sistema que deveria estar disponível para elas”, desabafou.

Durante a reunião, os deputados se comprometeram a cobrar do governo federal a liberação imediata de recursos de emendas individuais e de bancada para a área da saúde do Amazonas.