Correio braziliense, n. 20791 , 25/04/2020. Brasil, p.8

 

País abte 50 mil às cegas

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

25/04/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Em uma semana, as mortes por Covid-19 cresceram 70%. Se por um lado o número de casos dispara, por outro, as informações se tornam escassas. Desde a nomeação do ministro Nelson Teich, apenas duas das coletivas diárias contaram com a presença do chefe da pasta

Em uma semana, o Brasil viu as mortes por Covid-19 crescerem 70% e os casos de infectados ultrapassarem a marca de 50 mil. Enquanto a curva de casos dispara, no entanto, o Ministério da Saúde parece ter deixado de lado a peça-chave no combate à pandemia, prometida em discurso de posse do ministro Nelson Teich. Apenas duas das coletivas de imprensa diárias ministeriais desde a nova nomeação, no último dia 17, contaram com a presença do chefe da pasta. "O que vai nortear a gente é a informação", pontuou Teich, no primeiro pronunciamento público como ministro, prometendo acelerar a troca de informações para propor soluções e retomar a confiança da população. "Com tanta incerteza, você não consegue planejar muito na frente. Tem que analisar todo dia o que está acontecendo, ver o que aconteceu ontem, fazer um diagnóstico, planejamento e executar", disse à época.

Teich anunciou que as coletivas técnicas voltarão a acontecer na semana que vem. Desde a saída de Luiz Henrique Mandetta do cargo, em 16 de abril, as atualizações presenciais do balanço, que contavam com a presença dos então secretários do ministério João Gabbardo e Wanderson de Oliveira, não foram mais realizadas.

Tal descompasso, ao se fazer uma mudança com caráter político no meio do campo de batalha, é resultado previsível. "Pareceu ser uma escolha que não olha para problema, mas acomodação política. O receio é de que essa pessoa não esteja preparada para lidar com a grave crise da saúde pública", avalia o cientista político Michael Mohallem, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio. "Bolsonaro espera dos seus ministros posição de superveniência, mas, para dar certo, o ministro precisa frear ideias que possam comprometer a segurança da população", completa.

Relaxamento das medidas de isolamento sem a devida cautela e uso indiscriminado de medicamentos para tratar Covid-19 sem evidências científicas são exemplos do que deve ser barrado a partir da avaliação técnica. Na visão do pesquisador Flávio Codeço, membro do Grupo de Métodos Analíticos em Vigilância Epidemiológica (Fiocruz e FGV), há uma tentativa de minimização dos efeitos dessa pandemia "às custas da própria segurança". "A Covid mata muito mais que a gripe. Para quem já assistiu às pessoas em Manaus fazendo enterros, numa trincheira cavada por um trator, porque não há como enterrar tanta gente tão rápido, dá para entender a magnitude dessa mortalidade", alerta.

Além da sabida e declarada subnotificação de casos, consequência da impossibilidade de realização de testes em massa, Codeço acredita que o país sofre com a imprecisão de dados de mortes. "A nossa capacidade de estimar varia porque, devido à eficiência do nosso sistema de saúde, nem todos os óbitos são reportados. Logo, os números precisam ser tomados com precaução, porque não conhecemos a história completa", afirma.

Balanço
De acordo com os dados oficiais divulgados na plataforma eletrônica do Ministério da Saúde, o país tem 52.995 casos da doença. Em 24 horas, 357 mortes foram acrescentadas ontem, um incremento de 10,8%. No total, o Brasil tem 3.670 óbitos confirmados. Esta semana acumulou os recordes de fatalidades: foram mais de 1,3 mil mortes em sete dias.

Em São Paulo, onde concentram-se 32% dos casos, é registrado o maior número de infectados com a doença, 17.826 casos. O Rio de Janeiro segue em segundo lugar, com 570 óbitos e 6.282 casos. Outros três estados têm mais de 200 fatalidades cada: Pernambuco (352), Ceará (284) e Amazonas (255). De acordo com a pasta, 27.655 dos 52.995 pacientes diagnosticados com o novo coronavírus se recuperaram da doença. Isso representa 52% das pessoas que tiveram um diagnóstico comprovado. Outras 21.670, continuam em acompanhamento.

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Rio luta para evitar colapso na saúde

Maria Eduarda Cardim

Maíra Nunes

25/04/2020

 

 

Com o crescente aumento de pacientes com Covid-19, a falta de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) torna-se uma realidade amarga para cada vez mais cidades brasileiras. De acordo com o Ministério da Saúde, Rio de Janeiro é o segundo estado com mais casos confirmados e mortes no Brasil, sendo 6.282 infectados e 570 óbitos, ficando atrás apenas de São Paulo. A esperança de aliviar o sistema saturado está na inauguração dos oito hospitais de campanha anunciados pela administração de Wilson Witzel, ele próprio é um infectado pelo coronavírus. Ao todo, 1,8 mil leitos serão disponibilizados pelas novas unidades, incluindo enfermaria e UTIs.

O Hospital Regional Zilda Arns, de Volta Redonda, é o único que ainda tem vagas exclusivas para o tratamento de pacientes com coronavírus disponíveis na unidade federativa. A cidade está localizada a 120 km da capital. No estado, há 230 pacientes de coronavírus na fila por uma UTI. Atualmente, a taxa de ocupação em todas as unidades da rede estadual é de 80%, em leitos de UTIs, e 67%, em leitos de enfermaria – há duas semanas, as taxas eram de 41% e 63%, respectivamente. Apesar de haver UTIs disponíveis, existe fila de espera, pois as vagas disponíveis "são de unidades que não necessariamente têm o perfil de atendimento para Covid-19, como Hospital da Criança, Hemorio, Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (Iecac), Instituto Ensinar de Desenvolvimento Social (Iedes)", explicou a Secretaria de Saúde do Rio.

Ao todo, 2.133 pacientes estão internados na rede estadual. A maioria, na cidade do Rio de Janeiro. Dos 810 pacientes internados na capital por Covid-19, 277 estão em UTI. O hospital que tem sido o refúgio dos cariocas em Volta Redonda, interior do estado, tem 74% dos leitos da enfermaria e 75% das UTIs ocupadas. Isso significa que o Hospital Regional Zilda Arns tinha disponíveis 39 leitos de enfermaria e 20 de UTI, até a última atualização da secretaria, na noite de ontem.

Sem leitos suficientes e aumento da pandemia, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, afirmou não haver previsão de retomada das atividades econômicas enquanto os hospitais de campanha não forem inaugurados. Ontem, durante entrevista para a GloboNews, Witzel confirmou que só anunciará a reabertura de atividades quando tiver pelo menos 30% de leitos de CTI livres para serem ocupados. Uma das alternativas para ampliar a capacidade de atendimento do Sistema de Saúde (SUS) é a construção de hospitais de campanha. O primeiro do estado, dedicado exclusivamente a pacientes do SUS infectados pelo novo coronavírus, será inaugurado hoje. Montada em 19 dias e localizada na Zona Sul da capital, a estrutura oferecerá 200 leitos, sendo 100 de UTI. No entanto, no início, serão abertos apenas 30 leitos, sendo 10 de UTI. O restante acontecerá de forma gradual.

"A abertura dos hospitais de campanha vai nos possibilitar diminuir a pressão no nosso sistema de saúde. Com o tempo e a certeza de que não colocaremos vidas em risco, poderemos ter a volta gradual e regionalizada das atividades que hoje estão suspensas", afirmou Witzel. Outros 1,8 mil leitos estão previstos pela Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, com a construção de outros oito hospitais de campanha e um modular. Eles serão abertos de acordo com a evolução da pandemia. Nos primeiros dias de maio, a secretaria deve inaugurar um deles, localizado no Maracanã, com 400 leitos.