Correio braziliense, n. 20792 , 26/04/2020. Política, p.4

 

CPMI das Fake News ganha novo fôlego

Luiz Calcagno

26/04/2020

 

 

CONGRESSO » Presidente do colegiado pede suporte para a realização de sessões remotas para a votação de requerimentos. Sergio Moro deve ser convocado para depor

A comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) das Fake News se prepara para voltar à ativa. O presidente do colegiado, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), pedirá ao Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), infraestrutura para retomar os trabalhos por sessões remotas, ao menos para votar os requerimentos e dar continuidade aos trabalhos investigativos. São, ao todo, 52 quebras de sigilos telefônicos, telemáticos e bancários. A expectativa é de aprovar também a convocação do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, pedida pelo deputado federal Túlio Gadelha (PDT-PE), e de Maurício Valeixo, ex-diretor geral da Polícia Federal, que deve ocorrer em outro momento. Carlos Bolsonaro também está na mira dos integrantes da comissão.

É mais um revés na tempestade sobre o presidente da República, que agora enfrenta investigações na Procuradoria-Geral da República (PGR), na Polícia Federal e no Congresso, pedidos de impeachment e de novas comissões parlamentares de inquérito para apurar as denúncias feitas por Moro ao deixar o cargo. “Com requerimentos aprovados, as equipes podem seguir com as investigações sigilosas. Temos convocação de mais de 100 pessoas. Entre elas, Moro, Valeixo e Carlos Bolsonaro”, elencou o senador Ângelo Coronel.

O senador afirmou que tanto Moro quanto o ex-diretor da PF foram vítimas de fake news por parte do governo, além de publicação de informações falsas no Diário Oficial da União. A CPMI foi prorrogada por 180 dias, mas, com a crise do coronavírus e a suspensão das atividades parlamentares presenciais no Congresso, Alcolumbre permitiu a suspensão da contagem do prazo.

Doutor em ciências sociais e professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Baía destaca que os últimos acontecimentos fortaleceram a CPMI. O principal motivo foi o pronunciamento de Moro. “Junto a isso, tem a decisão do ministro do STF Alexandre de Morais, que blindou os delegados da Polícia Federal que estão investigando as fake news. Essa CPMI, que estava esquecida, ganha um reforço enorme a partir da entrevista de Moro e da decisão de Moraes”, ponderou.

Cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB), Aninho Irachande avalia que a postura de Bolsonaro de tentar intervir na PF funciona como uma “confissão de culpa” e instiga investigadores a irem mais fundo. “Se os trabalhos corriam com pouca visibilidade, agora ganharam destaque. Ninguém gosta de ser associado à ideia de engavetador, de não fazer investigações. A impressão que eu tenho é que o episódio enfraquece o presidente”, afirmou.

Impeachment

O PSB, na Câmara, e a Rede, no Senado, protocolaram pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro. Líder do PSol, a deputada federal Fernanda Melchionna destaca que não há viabilidade de enfrentar a crise do coronavírus com Bolsonaro à frente, mas pede uma união de partidos de oposição para um pedido mais contundente de impedimento do presidente. “O Brasil não pode ter um criminoso à frente da presidência da República”, disparou. “O depoimento de Moro agregou crimes graves a outros crimes de responsabilidade que Bolsonaro vinha cometendo. Essa intervenção na PF, seja contra as investigações das redes de fake news, de rachadinha ou do gabinete do ódio, é muito grave”, completou.

Bolsonaro apresentaria uma imagem cada vez mais desidratada, pois perde parte dos apoiadores antipetistas e lavajatistas. Em off, um parlamentar comentou com o Correio que, apesar de o pedido de impeachment chegar na frente, é preciso esperar para ouvir o que Moro dirá e que provas poderá apresentar sobre as acusações contra o presidente da República. Por isso, os convites a Moro e a criação de uma CPI deverão anteceder qualquer impedimento. O PSB também requisitou a criação de uma comissão na Câmara. No Senado, a solicitação ficou a cargo do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Frase

"Se os trabalhos corriam com pouca visibilidade, agora ganharam destaque. Ninguém gosta de ser associado à ideia de engavetador, de não fazer investigações. A impressão que eu tenho é que o episódio enfraquece o presidente”

Aninho Irachande, cientista político e professor da UnB

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Tereza Cristina sob a mira da caneta

Sarah Teófilo

26/04/2020

 

 

O distanciamento do governo federal em relação ao DEM colocou em questão um possível prejuízo à posição da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, que é deputada federal licenciada e integra o partido. O cenário é de uma péssima relação do presidente Jair Bolsonaro com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A demissão do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), e o rompimento do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), alimentam ainda mais a rede de intrigas.

Dois parlamentares, sendo um bolsonarista, contaram ao Correio que houve aumento de críticas à ministra Tereza Cristina, quando o desgaste com o DEM foi se acentuando. As principais oposições teriam vindo do setor “mais extremista” da base do presidente. A titular da Agricultura, entretanto, continuou com o apoio de Jair Bolsonaro.

O coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Alceu Moreira (MDB-RS), afirma que a ministra foi indicada ao cargo não por integrar o DEM, mas também por ser “mulher, agrônoma, produtora rural, deputada federal e presidente da Frente”. De acordo com ele, alguns critérios para composição dos ministérios não observaram relação partidária, mas, sim, o currículo dos indicados.

“As críticas que Tereza tem sofrido não são de natureza partidária. É de um grupo de pessoas que ficou insatisfeito, pois achava que tinha de ser resolvida a questão do FunRural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural), que só não foi resolvida porque isso implicaria em responsabilidade fiscal do presidente. Não tinha contrapartida orçamentária para poder fazer isso”, disse.

Para Moreira, a ministra está acima de questões partidárias. “Não vejo nenhum problema em relação a ela nesse momento”, disse, frisando que Tereza Cristina tem total apoio da FPA e, até onde sabe, “total apoio do governo”.

Líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB) garante que a ministra se mantém fortalecida no governo. Mesmo em meio à relação conflituosa com integrantes do partido, como Mandetta, Maia e Caiado, o parlamentar afirma que os fatos não respingaram sobre ela.

“Ela tem se mantido discreta, focada no trabalho e mostrado excelentes resultados. Não a vi inserida em nenhum momento nesses debates, manteve o foco no agronegócio, que é o motor da retomada da economia no Brasil. Eu a vejo fortalecida. Com todos os interlocutores que falei, eles advogam a favor da ministra de forma unânime”, disse.

Quanto às críticas à ministra, Efraim Filho diz enxergar como um “desafeto pessoal” e não se relaciona ao fato de ela pertencer ao DEM. “O trabalho que a ministra realiza tem sido tão bom, tão reconhecido, que qualquer iniciativa nesse sentido não produziu efeitos capazes de desconstruir o belo trabalho”, afirmou.

Além disso, o deputado diz ver o convite de Bolsonaro para conversar com o presidente nacional do DEM e prefeito de Salvador, ACM Neto, como um sinal de reaproximação entre o partido e o governo. O parlamentar nega que o DEM tenha perdido espaço no governo e afirma que a legenda conserva uma postura de independência e autonomia. “O partido tem votado e sido essencial na aprovação das matérias com as quais tem identidade, principalmente a agenda econômica”, pontuou.