Correio braziliense, n. 20792 , 26/04/2020. Mundo, p.12

 

OMS alerta: não há passe livre

26/04/2020

 

 

CORONA VÍRUS » Agência das Nações Unidas avisa ser impossível criar passaportes de imunidade porque não está comprovado que as pessoas são infectadas pelo coronavírus apenas uma vez. Medida é sugerida por governos para aliviar o confinamento

O mundo ultrapassou ontem a cifra de 200 mil mortes em decorrência do coronavírus sendo alertado pelas Nações Unidas de que cautela e confiança na ciência são medidas essenciais para o enfrentamento da pandemia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reagiu à ideia de criar passaportes de imunidade, proposta por vários países para acompanhar a suspensão de medidas de confinamento, com o aviso de que não há confirmações científicas de que pessoas já infectadas pelo novo coronavírus estejam naturalmente imunizadas. Além disso, lembrou que os testes disponíveis para detectar a presença de anticorpos da Covid-19 no organismo não são totalmente seguros.

Na tentativa de acelerar o retorno das pessoas ao trabalho e retomar atividades econômicas, alguns governos propuseram a emissão de documentos que atestem a imunidade de um indivíduo, tendo como base o resultado de testes que revelam a presença de anticorpos no sangue. “Atualmente não há evidências de que as pessoas que se recuperaram da Covid-19 e têm anticorpos sejam imunes a uma segunda infecção. Até a data de 24 de abril de 2020, nenhum estudo avaliou se a presença de anticorpos para Sars-Cov-2 confere imunidade contra infecções futuras por esse vírus em humanos”, ressaltou a OMS, em comunicado.

A agência teme que, com a adoção dos passaportes, as pessoas deixem de tomar os cuidados necessários para evitar uma possível segunda infecção. “(Elas) pensam estar imunes por terem testado positivo e podem ignorar as recomendações de saúde pública. O uso desses tipos de certificados pode, portanto, aumentar o risco de transmissão continuada”, justificou. Para a OMS, os exames sorológicos “precisam de validação adicional para determinar sua precisão e confiabilidade”.

Matthias Orth, membro do conselho da Federação Alemã de Médicos Biólogos (BDL), também acredita que a qualidade dos resultados dos testes é um problema. “Existem coronavírus bastante banais que não causam doenças graves e podem modificar o resultado”, explicou. Para o especialista, os testes sorológicos que prometem resultado em 15 minutos, analisando gotas de sangue colhidas do dedo em casa são “absurdos”.

Testes em massa           

Estudos sobre uma possível imunização natural de infectados são conduzidos em diferentes países. Na Alemanha, por exemplo, dezenas de milhares desses testes foram realizados para serem investigados por cientistas. O nível de imunidade da população também interessa formuladores de políticas públicas e gestores. A fim de descobrir quantas pessoas foram infectadas, o estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos, fará testes de forma “agressiva”, anunciou o governador Andrew Cuomo na semana passada. A partir do próximo dia 4, a Itália lançará uma campanha de testes sorológicos, em escala nacional, envolvendo 150 mil pessoas. A intenção é aprofundar os dados sobre a pandemia e dar, assim, uma resposta melhor à crise.

Ambos os países são os mais atingidos pela pandemia, que ontem ultrapassou o número de 2,8 milhões de casos e  200 mil mortes — nos Estados Unidos são quase 52 mil e na Itália, 26 mil. Continente mais afetado, a Europa, com 120 mil falecidos, começa, em vários regiões, a diminuir as restrições, incentivada por indicadores de queda no número de doentes e mortos em alguns países. A Espanha, por exemplo, permitirá que as crianças saiam de casa a partir de hoje, após seis semanas confinadas. Ontem, porém, o país registrou um ligeiro aumento no número diário de óbitos: 378, dos 22.902 registrados.

A América Latina passou das 150 mil infecções, com mais de 7.300 mortes. Segundo a OMS, no Brasil e no México, a tendência é de que a crise piore nos próximos dias. A Venezuela, por sua vez, anunciou a flexibilização da quarentena para idosos e crianças. Na capital do país, músicos começaram a fazer shows para os vizinhos, combinando boleros, merengues ou peças tradicionais. Segundo público e artistas, trata-se de uma espécie de válvula de escape ao confinamento.

Frase

"(As pessoas) pensam estar imunes por terem testado positivo e podem ignorar as recomendações de saúde pública. O uso desses tipos de certificados pode, portanto, aumentar o risco de transmissão continuada”

Trecho de comunicado da Organização Mundial da Saúde