O Estado de São Paulo, n.46195, 09/04/2020. Metrópole, p.A11

 

Rocinha e outras 3 favelas do Rio têm mortes por covid-19

Roberta Jansen

09/04/2020

 

 

Avanço do coronavírus nas comunidades, com saneamento precário e alto número de pessoas por casa, preocupa autoridades de saúde

Quatro das maiores comunidades do Rio já tiveram pelo menos seis mortes confirmadas por covid-19. Rocinha, Manguinhos, Maré e Vigário Geral somam 23 casos registrados da doença.

A chegada da epidemia nas comunidades é um dos maiores temores das autoridades de Saúde. As favelas não costumam ter saneamento básico, as ruas são muito estreitas e, em geral, muitas pessoas dividem a mesma casa, propiciando a disseminação da doença. Nas comunidades a maior parte do comércio continuou funcionando normalmente, diferentemente do que aconteceu em outras partes da cidade.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, foram duas mortes na Rocinha, na zona sul, outras duas em Vigário Geral, uma em Manguinhos e uma na Maré, todas na zona norte. “É difícil cumprir esses protocolos de isolamento, distanciamento social, uso de álcool em gel nas comunidades”, pondera Eliana Sousa Silva, da ONG Redes da Maré, que está à frente da campanha “A Maré diz não ao coronavírus”, para levar cestas básicas e produtos de higiene a 6 mil famílias. “São 140 mil pessoas vivendo numa área de 4,5 quilômetros quadrados, há dificuldade real de fazer esse distanciamento acontecer. Seria preciso estratégia de prevenção diferente para não haver contaminação em massa.”

Por enquanto, a grande maioria dos 1.449 casos da doença no município está concentrada nos bairros mais ricos, na zona sul e na zona oeste. O número de mortes é de 73. No entanto, os números indicam que já começam a se espalhar nas comunidades mais pobres.

A Secretaria Estadual de Saúde havia divulgado pela manhã um número diferente, em que apenas na Rocinha haveria cinco mortes. No fim da tarde, a secretaria disse que houve um erro na elaboração das tabelas.

SP. Na capital paulista, já há relatos de mortes suspeitas por coronavírus em comunidades, como Paraisópolis e na região de Brasilândia e Freguesia do Ó. Com falta de água, de itens de proteção, pouco espaço e perda de emprego, moradores enfrentam dificuldade para se isolar.

Segundo o líder comunitário de Paraisópolis e coordenador nacional da organização G10 das Favelas, Gilson Rodrigues, a comunidade já tem 15 casos confirmados do coronavírus e as recomendações do Ministério da Saúde não se encaixam com a realidade do local.

“A favela não tem condição de fazer quarentena. As famílias muitas vezes moram em cômodos pequenos, sem ventilação, e falta água. Álcool em gel e máscara são artigos de luxo na favela. Nossos moradores têm continuado nas ruas, acham que é uma doença de ricos.”

Para driblar a situação, membros da comunidade criaram uma rede de solidariedade, organizada pelo chamado “comitê da favela”, e diversas ações foram postas em práticas. Moradores voluntários, por exemplo, assumiram a função de presidentes de ruas, responsáveis, entre outras coisas, por chamar atendimento médico quando necessário. A associação de moradores também contratou três ambulâncias para a região, que começaram a atuar há 16 dias.

Segundo o proprietário da empresa que presta o serviço de ambulância, Diego Cabral, sete mortes já ocorreram desde então, quatro delas com sintomas de insuficiência respiratória. Na região da Brasilândia e da Freguesia do Ó, quase 20 óbitos aguardam resultado de teste para a covid-19. A informação é do líder comunitário e representante da associação de moradores na Cachoeirinha e Brasilândia, Henrique Desloste.

“Além disso, tem famílias de baixa renda, com crianças, passando fome na região por causa das dificuldades do coronavírus. Esse é um dos motivos que faz as pessoas saírem de suas casas em busca do pão de cada dia, de continuar trabalhando para pagar suas contas”, afirma.

Questionada sobre a existência de óbitos por coronavírus nessas regiões, a Secretaria Estadual de Saúde afirmou não ter mapeamento de casos e óbitos por bairro, só por município. Já a Secretaria Municipal de Saúde retornou com documento atualizado no dia 31 de março sobre a situação da epidemia. Nele constam apenas os óbitos por hospital, mas não há registro sobre o local de onde vieram as pessoas que morreram. 

Dificuldade

“É muito difícil cumprir protocolos de isolamento, distanciamento social, uso de álcool em gel nas comunidades. Seria preciso estratégia de prevenção diferente para não haver contaminação em massa.”

Eliana Sousa Silva

ONG REDES DA MARÉ