O Estado de São Paulo, n.46195, 09/04/2020. Metrópole, p.A11

 

Mandetta diz que Saúde dialoga com o tráfico e a milícia

Julia Lindner

André Borges

Mateus Vargas

09/04/2020

 

 

‘Como entra no morro em guerra para retirar uma senhora com sintomas? Saúde não é polícia’, disse o ministro

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse ontem que o combate à pandemia do novo coronavírus passará por comunidades dominadas pelo tráfico e pela milícia e afirmou ao Estado que para isso vai conversar “com quem precisar”. “Como entra no morro em guerra para retirar uma senhora com sintomas? Saúde não é polícia. Vou conversar com quem precisar.”

Mais cedo, Mandetta disse em entrevista coletiva, no Palácio do Planalto, que a Saúde “dialoga, sim, com o tráfico, com a milícia, porque também são seres humanos e precisam colaborar, ajudar, participar”. “A gente deixa claro que todo mundo vai colaborar (no combate à covid-19)”, afirmou.

Mandetta reconheceu que há dificuldade para implementar o plano de manejo das favelas e comunidades com exclusão porque são regiões marcadas pela ausência do Estado e dominadas por líderes informais ligados ao crime organizado. Há relatos de toques de recolher impostos por esses grupos aos moradores dessas regiões. “Temos dificuldade, sim, em apresentar o plano de manejo das favelas ou das comunidades com exclusão. Hoje nós começamos o primeiro plano, não vou falar em qual comunidade será, para fazer um teste piloto porque ali você tem de entender a cultura, a dinâmica, ali a gente tem de entender que são áreas que muitas vezes o Estado está ausente, que quem manda é o tráfico.”

Desde o início da crise, Mandetta e autoridades discutem como garantir medidas de isolamento para pessoas de baixa renda, especialmente do Rio. Em março, o ministro da Saúde debateu o assunto com integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Um dos pontos levantados é que moradores de comunidades muitas vezes não possuem saneamento básico e compartilham com parentes casas com um ou dois cômodos.

O receio do governo é de que, após os primeiros casos nas comunidades (veja abaixo), será mais difícil controlar a propagação da doença.

A assessoria do Ministério da Saúde esclareceu a reportagem que a intenção do ministro em sua fala foi dar um recado para traficantes e milicianos de que na hora em que o vírus começar a se disseminar nas favelas os profissionais de saúde vão ter de entrar nas comunidades. Mandetta reconhece que algumas áreas são dominadas pelo tráfico e milícia, que impõem suas regras aos moradores, então a comunidade vai ter de resolver essa situação de permitir a entrada de agentes de saúde em suas residências.