O globo, n. 31659, 11/04/2020. Opinião, p. 2

 

Estados e União têm de fechar logo um acordo

11/04/2020

 

 

O já difícil relacionamento de Bolsonaro com os governadores se aproxima do ponto de combustão, devido à maior crise desde a Grande Depressão de 1929/30. O que já seria um desafio para estadistas. Mas não há alternativa a não ser o governo junto ao Congresso, com os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, encontrarem pontos em comum entre as legítimas demandas dos governadores e as elogiáveis preocupações do Ministério da Economia com o depois da crise. Porque, de fato, em nome do salvamento da Federação, não se pode mesmo inviabilizar o futuro. Será trágico se ficar uma “bomba fiscal” para explodir cedo ou tarde.

Como o Brasil republicano já cometeu todos os desatinos, sabe-se como acaba uma operação de socorro descuidada. São pedagógicos os erros da dupla Lula/Dilma ao perpetuarem o inicialmente acertado programa de gastos para conter o impacto da crise mundial detonada a partir de Wall Street em fins de 2008. Além de permitirem uma farra de dívidas nos estados, algo que poderia acontecer mais uma vez agora.

A Semana Santa, mais curta, acaba com os dois lados em posições inconciliáveis, como demonstra a disparidade entre os números de cada um: a equipe econômica diz que os governadores querem algo como RS$ 180 bilhões, e a bancada dos estados, defendida por Rodrigo Maia, mais do que insinua haver má-fé na argumentação da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Vê erros técnicos na definição da cifra — diz ser menos da metade — e chega a especular que o governo Bolsonaro, ao ter uma solução para irrigar os Fundos de Participação de Estados e Municípios, de que o Norte e Nordeste dependem muito, e criar dificuldades a um entendimento sobre a compensação pelas perdas no ICMS (estados) e ISS (municípios), transparece a maquiavélica intenção de manter o PT vivo (que respira no Norte e Nordeste) e dificultar a vida dos estados mais desenvolvidos (São Paulo, Rio, Minas, Rio Grande do Sul), onde residem candidatos em potencial a disputar 2002 com Bolsonaro. O ex-capitão prefere disputar eleição com o PT, para tentar repetir a operação do voto útil que o elegeu em 2018.

À parte especulações como esta, é preciso haver logo um acordo, de preferência formalizado na segunda-feira. Os estados, pela voz de Rodrigo Maia, estão abertos a entendimentos. Espera-se que o Planalto também. A verdade inescapável e aterrorizante é que as vítimas da Covid-19 são acolhidas em UTIs estaduais e municipais. Elas são financiadas pela União por meio do SUS, mas também há uma conta que governadores e prefeitos, em questão de dias sem dinheiro, precisam pagar.

Não se pode esquecer da necessidade de governadores cumprirem contrapartidas pela ajuda da União. Que não é um ente abstrato. Ela representa os contribuintes, que começam a morrer na epidemia. Mas isto é para ser discutido mais à frente.