O globo, n. 31659, 11/04/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

Contagem regressiva

11/04/2020

 

 

O Brasil ultrapassou a marca de mil mortos em decorrência da Covid-19, o triplo do registrado uma semana atrás, e já tem quase 20 mil infectados, segundo o Ministério da Saúde. Com a redução do isolamento social, autoridades e especialistas preveem o aumento de casos, o que pode precipitar o colapso da rede de atendimento. Em São Paulo, onde a taxa de internação em UTIs cresce 20% ao dia, as vagas podem acabar em dez dias. No Ceará, 85% dos leitos já estão ocupados. No Rio, o hospital de referência Ronaldo Gazolla já não recebe pacientes.

O novo coronavírus deu, na última semana, uma amostra de seu potencial de destruição — a quantidade de mortos e infectados se multiplicou em sete dias. Ontem, os óbitos chegaram a 1.056 — número três vezes maior do que na sextafeira passada, quando eram 359. Já a quantidade de contaminações passou de 9.056 para 19.638 no mesmo período. O avanço dos casos bate à portados hospitais, que caminham a passos largos para o colapso. Em São Paulo, epicentro da pandemia no país, o sistema de saúde poderá perdera capacidade de internação em dez dias, se a população não seguir políticas de isolamento social. No final de março, 69% da população do estado aderiu à quarentena decretada pelo governo estadual —a meta era que esse índice chegasse a 80%. No entanto, o engajamento diminuiu, ena última quinta-feira apenas 47% dos paulistas cumpriam a orientação das autoridades. Acurva de novos casos, que chegou a caminhar para o achatamento, está aumentando. —Se o número de casos continuar crescendo nessa velocidade, o sistema de saúde estará incapaz daqui a dez dias, duas semanas—alerta Dimas Covas, diretor do Instituto Butan tane um dos integrantes do comitê formado pelo governo paulista para administrar acrise, que não descarta ou soda Polícia Militar para evitar aglomerações .— É necessário estudar formas de tornar mais forte esse isolamento social. Devemos anunciar, ao lado do (governador) João Doria, novas medidas, se for o caso. O estado de São Paulo tem 12.546 leitos de UTI públicos e privados, e a taxa de ocupação atual gira em torno de 50%. Boa parte dos leitos é ocupada por casos cotidianos. A taxa de ocupação de UTIs por vítimas do coronavírus vem aumentando a um ritmo de 20% por dia. Na quarta-feira passada, eram 861.

No Rio, 65% dos leitos de UTI estão ocupados, mas os casos avançam ejá há temor de que a rede não dê conta. O hospital der eferência Ronaldo Gazolla, com 38 vagas, está coma capacidade esgotada. O secretário estadual de Saúde, Edmar Santos, diz que a rede estadual suporta até 16 mil internações, mas não descarta que uma aceleração de casos leve a infecção a 40 mil ou 50

mil doentes, inviabilizando o atendimento. Em entrevista ao "Bom Dia Rio", anteontem, o governador Wilson Witzel (PSC) usou projeções feitas pela Escola de Saúde Pública de Harvard (EUA) para dizer que as vagas em UTI da rede pública estadual poderiam se esgotar daqui a três dias, e os respiradores, no dia 28.

— As pessoas não entenderam a gravidade do problema —disse Witzel. —Aquele que está na rua hoje está levando risco para toda a sociedade. A rede municipal do Rio também dá sinais de que o combate ao coronavírus será difícil. Ao todo, a rede da prefeitura terá, inicialmente, 881 leitos dedicados ao tratamento de pacientes com coronavírus, sendo 381 no Gazolla e 500 do hospital de campanha do Riocentro. Atualmente, 155 pacientes com suspeita ou confirmados estão internados no município. A médica e especialista em saúde pública Ligia Bahia, professora da UFRJ, avalia que o sistema municipal logo chegará ao seu limite.

— Essa rede é importante para a atenção básica e da emergência, que são dois pontos fundamentais para o atendimento aos casos de coronavírus, evitando sobrecarregara rede hospitalar—explica.—Vai chegar um momento em que vamos entrar no desespero, como na Itália. Um médico e diretor de hospital da rede privada, que preferiu não ser identificado, diz que sua equipe trabalha com o pi coda pandemia no Brasil para a sema nade 12 de maio. Segundo ele, o hospital se preparou levando em conta previsõesdo pior cenário possível.

AJUDA FEDERAL

O Ministério da Saúde anunciou ontem que iniciou um plano de distribuição de 60 respiradores para Fortaleza, Manaus e Macapá. Segundo a pasta, as três cidades "já estão precisando ampliar com urgência o número de leitos de tratamento intensivo para atender os pacientes". O colapso do sistema de saúde foi antecipado pelo ministro Luiz Henrique Mandetta em março, quando apontou, em entrevista coletiva, que a rede hospitalar poderia ter dificuldades para atender a população no final de abril:

— Às vezes as pessoas confundem colapso com sistemas caóticos, com sistemas críticos, onde você vê aquelas cenas, pessoas nas macas. O colapso é quando você pode ter o dinheiro, você pode ter o plano de saúde, pode ter a ordem judicial, mas simplesmente não há um sistema para você entrar.

Na capital cearense, a taxa de ocupação de leitos públicos de UTI já está em 85%. O governo estadual calcula que o pico de contaminação ocorrerá entre 25 e 27 de abril, quando a marca de mais de 3 mil casos positivos de doença deve ser atingida. Houve um apelo para que a população não viajasse na Semana Santa.

— Se não acrescentarmos novos leitos, novas estruturas como estamos prevendo, esse esgotamento deve acontecer lá para o final de abril — avalia o prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT). — É necessário que funcionem estratégias como a de diminuir o número de doentes graves e adquirir novos equipamentos. Em Manaus, o Hospital Delphina Aziz, unidade de referência a pacientes com Covid-19, já tinha ao menos 95% dos leitos ocupados na semana passada. Segundo profissionais de saúde, o sistema já entrou em colapso — o governo estadual não confirmou a informação. A previsão é que o índice de pessoas infectadas que recorrerão ao sistema de saúde atinja o pico nesta semana. O governo reforçou as campanhas de conscientização sobre a importância do isolamento social, mas diz que não terão efeito imediato. A pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz Margareth Portela ressalta os desafios para combater o coronavírus no país: —Só 10% dos municípios do Brasil têm leito de UTI. Metade dos cerca de 6 mil hospitais do país conta com menos de 36 leitos, uma capacidade muito baixa. Não têm respirador, desfibrilador, tomógrafo... E a Covid-19 precisa de uma estrutura de cuidados para pacientes graves.