O globo, n. 31659, 11/04/2020. Especial Coronavírus, p. 9

 

Auxílio emergencial na crise pode expor indígenas a risco

Leandro Prazeres

11/04/2020

 

 

Receio é que populações sejam atraídas às cidades durante pandemia
Lideranças, governo e pesquisadores temem que o pagamento de benefícios sociais e o anúncio de um auxílio emergencial para mitigar efeitos do novo coronavírus atraia indígenas às cidades da Amazônia em meio ao avanço da epidemia na região. Em alguns municípios do Amazonas, estado que tem o quarto maior número de casos da doença, indígenas estão sendo orientados a não irem às cidades e, aqueles que estão nos centros urbanos, receberam a recomendação para ficarem em isolamento. A Fundação Nacional do Índio (Funai) vem pedindo aos índios que evitem ir às cidades e "não se desesperem". O Amazonas, que concentra a maior população indígena do Brasil, tem o quarto maior número de casos de Covid-19 registrados (804) e a maior taxa de incidência da doença do país (19,1 casos/100 mil habitantes). O estado também tem pelo menos quatro casos confirmados de indígenas infectados pela doença. Os povos indígenas são tidos como população particularmente vulnerável ao Covid-19 por conta do histórico das etnias em relação a outras síndromes gripais como a Influenza A e B e o H1N1. Até a quarta-feira passada, o Brasil tinha sete casos confirmados de indígenas com a doença. Na noite de quinta-feira, um adolescente ianomâmi de 15 anos com Covid-19 morreu.

Uma das maiores preocupações de lideranças, pesquisadores e do próprio governo neste momento é que o hábito dos indígenas de viajarem, pelo menos uma vez ao mês, às cidades da região amazônica para sacar benefícios sociais como pensões, aposentadorias e o Bolsa Família, seja intensificado em meio à epidemia depois que o governo anunciou o pagamento de um auxílio emergencial de R$ 600 para mitigar os efeitos econômicos causados pelo novo coronavírus. O temor é que, ao chegarem nas cidades, os índios entrem em contato com pessoas infectadas e, ao retornarem para suas aldeias, se transformem em vetores de contaminação em áreas isoladas e onde a infraestrutura de saúde é precária. Como a maioria das aldeias na Amazônia fica áreas remotas e com estrutura de saúde precária, o temor é que a doença

se alastre causando um número elevado de mortes. — Com o anúncio do auxílio emergencial de R$ 600 a famílias carentes, é possível que se intensifique o fluxo de indígenas aos municípios em busca do benefício. Por um lado, esse fenômeno pode ampliar o acesso de famílias indígenas à renda, mas também pode aumentar exponencialmente as chances de exposição ao coronavírus e o consequente contágio e adoecimento —disse o médico e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Paulo Basta, que estuda a saúde indígena há 15 anos. Basta se diz preocupado porque os povos indígenas, tradicionalmente, não têm proteção imunológica para se defenderem de organismos como o coronavírus: — A maioria dos povos indígenas que vivem no Brasil não tem imunidade para enfrentar diversos micro-organismos, sobretudo vírus emergentes, como o novo coronavírus. Esta característica biológica favorece o espalhamento da epidemia, assim como manifestações clínicas graves da doença e ocasionar elevado número de óbitos. O secretário especial de Saúde de Indígena, Robson Silva, diz estar ciente dos riscos causados pela ida dos índios às cidades e afirma a Funai e lideranças indígenas para orientar os índios que não viajem aos centros urbanos enquanto não for seguro. — Nós estamos preocupados com essa situação, sim. Sabemos que os índios vão às cidades em busca de benefícios. Mas, estamos fazendo um trabalho muito forte orientando o pessoal para não irem a esses centros para evitar espalhar a doença nas aldeias. A Secretaria Especial de Saúde de Indígena (Sesai) é o órgão que executa a política de saúde indígena. Robson afirma que a Sesai também pediu às lideranças que impeçam o acesso às comunidades de não-índios como medida de proteção. Ele reconhece que o impacto de uma epidemia como essa nas populações indígenas pode ser trágico, mas diz que não há motivo para pânico.

A Funai informou que toma medidas para diminuir o fluxo de indígenas às cidades. Entre essas ações está a distribuição de 300 mil cestas básicas a comunidades indígenas.