O globo, n. 31659, 11/04/2020. Economia, p. 17

 

Guedes já vê queda de até 4% do pib

Amanda Almeida

João Sorima Neto

11/04/2020

 

 

Previsão considera que crise pode avançar após julho. Seria o maior recuo desde 1990
O ministro da Economia, Paulo Guedes, já admite que o Produto Interno Bruto (PIB) poderá ter uma queda de 4% este ano. Em videoconferência com senadores, ele reconheceu que a retração da atividade econômica pode chegar a este patamar, caso a paralisia gerada pelo avanço do coronavírus se estenda mais alguns meses após julho. Se a previsão do ministro se confirmar, será a maior queda anual desde 1990, quando a contração foi de 4,35%. Caso a desaceleração causada pela pandemia dure dois ou três meses, Guedes avalia que a queda do PIB chegaria a 1,5%. Seria o pior resultado desde 2016, quando a atividade econômica caiu 3,28%. Foi a primeira vez que o ministro falou em retração e quantificou o potencial de queda do PIB. Segundo especialistas, as estimativas do ministro são factíveis, e há previsões até mais pessimistas. Economistas do Itaú Unibanco estimam que a economia pode encolher até 6,4% este ano, se a recuperação no terceiro trimestre for de apenas 25%, com o lockdown terminando em 27 de maio. Estudo da Economist Intelligence Unit, divisão de pesquisas e análises da revista The Economist, mostra que a Covid-19 pode causar queda de até 5,5% no PIB do Brasil em 2020. No encontro virtual com senadores, realizado na noite da última quinta-feira, Guedes ponderou, no entanto, que o cenário é impreciso, porque depende do tempo que as atividades ficarão desaceleradas por causada pandemia. A estatística oficia lé decrescimento nulo (0,02%). O economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, Alex Agostini, avalia que as previsões do ministro são comedidas. Na avaliação da Austin Rati ngs,m esmoque a economia comece amostrar algum sinal de recuperação no terceiro trimestre e engate algum crescimento no quarto trimestre, dificilmente o PIB vai escapar de uma recessão de menos de 3%. A previsão da agência, nesse cenário, é de uma queda do PIB de 3,1%. Para Agostini, se os efeitos da pandemia continuarem em julho, a economia deve encolher pelo menos 5% este ano: —Temos indicadores antecedentes muito ruins da indústria e do comércio. As vendas de veículos despencaram 22% em março. O tráfego de veículos nas rodovias caiu muito, assim como o transporte de carga, que encolheu 60%. Então é difícil enxergar uma queda de apenas 1,5%, mesmo com a atividade sendo retomada parcialmente em breve.

 'RETOMADA SERÁ LENTA'

A economista Zeina Latif concorda que uma recessão de 1,5% para este ano parece muito otimista. Ela avalia que, mesmo que em maio o país tenha chegado ao auge da pandemia e comece a se relaxar o lockdown, como aconteceu em outros países, a retomada da economia não será rápida: — Há uma desorganização do setor produtivo muito grande. Nas pequenas e médias empresas, há falta de recursos para pagar fornecedores e empregados. Empresas de maior porte, prestadoras de serviços básicos, como energia, também terão problemas no caixa. A confiança do consumidor vai ficar muito abalada por um bom tempo. Já estávamos num momento de confiança frágil, por conta do elevado desemprego. Por isso, acho 1,5% de retração um patamar muito otimista, porque a retomada será lenta.

O ministro Paulo Guedes passou a semana se reunindo com grupos de deputados e senadores em um apelo

pela aprovação de medidas do interesse da equipe econômica. Em outra frente, nas conversas, Guedes também pediu que os parlamentares retenham propostas com impacto fiscal fora do horizonte da pasta.

ORÇAMENTO DE GUERRA

Mesmo diante dos números, Guedes, porém, quis dar um tom de otimismo à conversa com os senadores, segundo parlamentares. Disse que o Brasil vai "surpreender". Para isso, voltou a defender o congelamento do salário de servidores públicos por dois anos, como fez em reunião com deputados; a destinação de R$ 20 bilhões para a saúde; as medidas provisórias enviadas pelo governo; e a aprovação do chamado Orçamento de Guerra. Sobre o último ponto, ouviu a reclamação de parte dos participantes sobre o trecho do projeto que permite ao Banco Central (BC) a compra direta das carteiras de crédito e títulos das empresas. Esse é o principal ponto de divergência no Senado sobre a proposta, que deve ser votada na segundafeira com mudanças. Guedes respondeu que 70% do texto do Orçamento de Guerra foram feitos por sua equipe, mas que essa parte foi inserida na Câmara. O trecho é defendido pelop residente da Casa, Rodrigo Maia (DEMRJ), com quem Guedes tem divergido sobre as medidas para enfrentar acrise. O incômodo com Maia ficou ainda mais evidente quando Guedes falou sobre o auxílio emergencial a estados e municípios, que deve ser votado na Câmara na próxima semana. É uma adaptação do Plano Mansueto, um programa do governo com o mesmo objetivo, mas que, segundo Guedes, foi alterado com "exageros" no socorro. Nesse sentido, ele pediu aos senadores que contenham os excessos da medida, quando o texto chegar à Casa. Maia diz que o impacto é de R$ 85 bilhões. Já técnicos da equipe econômica preveem que esse valor chegue a R$180 bilhões. No apelo pela contenção de impactos fiscais, Guedes pediu que a análise das medidas desconsidere ideologias políticas. Um dos participantes diz que o ministro "procurou defender que há um piloto na economia — o mi nis tério—e que é a pasta quem deve orquestrar as medidas nessa área". Em quase quatro horas de reunião, Guedes pediu ainda que senadores não desistam de avançar em um pacto federativo e uma reforma administrativa.