O globo, n. 31662, 13/04/2020. Especial Coronavírus, p. 6

 

Mais isolado

Naira Trindade

Thais Arbex

13/04/2020

 

 

Mandetta perde apoio de ministros

ADRIANO MACHADO/REUTERS/3-4-2020Conflito. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que concedeu entrevista ao Fantástico, da TV Globo, cobrando discurso unificado do governo federal

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tem hoje menos apoio no governo para a sua permanência no cargo. A entrevista concedida ao Fantástico, da TV Globo, anteontem, pedindo uma unificação do discurso no combate ao novo coronavírus foi interpretada por interlocutores do presidente Jair Bolsonaro como uma provocação, o que resultou em novo desgaste na relação.

A ala de ministros considerados técnicos do governo, como Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Paulo Guedes (Economia), se surpreendeu com a entrevista. Segundo aliados, esse grupo espera que Mandetta continue, mas não haverá exposição em sua defesa. O ministro da Saúde não avisou a Bolsonaro nem aos colegas ministros que daria a entrevista. Após assistir à gravação, ainda no domingo, Bolsonaro demonstrou incômodo com uma fala de Mandetta criticando quem fazia fila em padarias. O presidente esteve em uma padaria na semana passada e avaliou a fala do ministro como “desnecessária”.

Parte da ala militar do Planalto entende que Mandetta não poderia ter criticado publicamente o presidente. Esse grupo considerou a entrevista como uma tentativa de “forçar a sua demissão”. Mandetta tem repetido que não vai pedir para sair porque “médico não abandona paciente”. Ministros passaram a avaliar que as ações de Mandetta eram premeditadas. Para os militares, é inaceitável qualquer atitude de insubordinação e de desobediência hierárquica. O governo já fez recomendações para que entrevistas coletivas do ministro da Saúde ocorram só no Palácio do Planalto, sob o comando de Braga Netto (Casa Civil). Mandetta deveria ter participado ontem, mas não apareceu. Apesar de sua assessoria ter alegado apenas problema de agenda, houve ordem do Planalto para que o ministro não comparecesse, como revelou a colunista Bela Megale, no site do GLOBO.

O cálculo de Bolsonaro sobre uma demissão, porém, leva em consideração também a popularidade de Mandetta, inclusive nas redes sociais, onde o presidente costuma medir o sentimento da população. O ministro tinha pouco mais de 3 mil seguidores no Twitter em janeiro. No início de abril, chegou a 300 mil. Agora, dez dias depois, quase dobrou o número de apoiadores, acumulando 510 mil. O ministro ainda é mais bem avaliado pela população do que o presidente no combate ao coronavírus, de acordo com a última pesquisa Datafolha.

Segundo aliados, enquanto ainda avalia o futuro do auxiliar, Bolsonaro continuará com sua rotina de tentar convencer as pessoas a sair do isolamento social e voltar ao trabalho por meio de seus exemplos. A previsão, no entanto, é que as próximas “saídas” do presidente ocorram de forma “mais consciente”. Ele tem sido orientado a usar máscaras, por exemplo.

Dois nomes são cotados para substituir Mandetta: a cardiologista e pesquisadora Ludhmila Hajjar, diretora de Ciência e Inovação da Sociedade Brasileira de Cardiologia, e Claudio Lottenberg, presidente do Conselho do Hospital Israelita Albert Einstein.

A intenção é encontrar um nome que tenha respaldo na classe médica, para tentar minimizar eventual má repercussão da demissão de Mandetta. Hajjar é integrante de grupos de pesquisa sobre o uso da cloroquina. Embora não defenda o uso indiscriminado da droga, a cardiologista tem dito que é necessário acelerar os estudos. Procurados, ambos disseram não ter recebido convite de Bolsonaro. O ex-ministro e deputado federal Osmar Terra e a médica Nise Yamaguchi foram descartados, segundo interlocutores do presidente, por não terem apoio da classe médica.

Pela manhã, ao deixar o Palácio da Alvorada, Bolsonaro evitou comentar a entrevista do ministro, limitando-se a dizer que não “assistiu”.