Valor econômico, v.20, n.4978, 10/04/2020. Política, p. A8

 

Bolsonaro e Mandetta discutem a relação e têm dia de trégua na crise

Fabio Murakawa

André Guilherme Vieira

10/04/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tiveram ontem um dia de trégua. Eles se reuniram por duas vezes no Palácio do Planalto, conversaram sobre cenários para a crise da covid-19 e discutiram a relação, desta vez em tom mais ameno e cordial do que o dos últimos encontros. O sentimento de demissão iminente do ministro se esvaiu, embora fontes próximas a ambos admitam não saber quanto tempo a paz vai durar.

A reaproximação entre Bolsonaro e Mandetta tem o dedo da ala militar do governo. O grande mediador tem sido Walter Souza Braga Netto, ministro da Casa Civil. Outro bombeiro é Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Ambos são conselheiros próximos de Bolsonaro e convenceram o chefe a não demitir Mandetta na segunda-feira. Nos últimos dias, vinham agindo para colocar panos quentes na rusga entre os dois.

Parte do acerto está na mudança de discurso do ministro em relação ao uso da hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes em fase inicial da doença provocada pelo coronavírus - que ser tornou uma bandeira do presidente. Ontem, em entrevista à TV Bandeirantes, Bolsonaro deixou claro que a paz está relacionada ao medicamento.

"Conversamos hoje, eu e ele [Mandetta], e acima de nós está o interesse do Brasil. Foi tudo acertado, é comum ter problema em qualquer relação, ainda mais num momento que está todo mundo estressado no trabalho", afirmou. "O Mandetta decidiu que as pessoas infectadas devem começar a usar a hidroxicloroquina no começo do tratamento, se convenceu disso. Parabéns para ele."

Mandetta, por sua vez, compareceu sem ser esperado na entrevista coletiva diária sobre os dados da covid-19 no Planalto, que acontecia à mesma hora em que o presidente falava. Ali, disse que "está tudo bem" e frisou que atua sob o comando de Bolsonaro.

"A todos aqueles que estão com os ânimos mais exaltados, quero deixar claro: aqui tá tudo bem. Não estamos olhando para o para-brisa e essa estrada a gente vê que vai ter dias muito duros, muito difíceis. E quem comanda esse time aqui é o presidente Jair Messias Bolsonaro", disse Mandetta. "Tivemos as nossas dificuldades internas? Tivemos. Isso é público. Porém, nós estamos prontos. Cada um ciente do seu papel nessa história."

Depois, questionado pelo Valor, o ministro da Saúde admitiu que as conversas de ontem com Bolsonaro haviam servido para acertar os ponteiros.

"Exatamente. [Serviram para] a gente colocar situações, colocar simulações, os números que nós temos. O presidente dando suas orientações. Uma reunião de trabalho, uma reunião boa", disse. "O presidente é muito parceiro, muito voluntarioso, tem um pensamento muito forte no Brasil. A gente vai dando passos para rumo a uma unidade muito boa por parte do governo."

O primeiro encontro de ontem com Bolsonaro, que constava na agenda oficial do presidente, foi feito a pedido do ministro. Ele teria sido aconselhado também por aliados a distensionar a relação com o chefe.

Anteontem, Mandetta disse que o Ministério da Saúde não se oporia ao uso da hidroxicloriquina em pacientes em estágio inicial da doença caso um médico ministrasse o medicamento.

Na coletiva, porém, Mandetta manteve algumas das ressalvas que vinha fazendo. Alertou para o uso do medicamento em idosos que têm problemas cardíacos, por exemplo. E disse que o uso pode ser inócuo se ministrado sem comprovação de que a pessoa está com covid-19, uma vez que outros vírus que causam sintomas semelhantes estão circulando pelo país.

"O presidente em nenhum momento fez qualquer colocação para mim diretamente de imposição [sobre a hidroxicloroquina]", disse. "Ele defende,como todos nós, que se há chance melhor para esse o aquele paciente, que a gente possa garantir o medicamento. Mas também entende quando a gente coloca situações que podem ser complexas, que nós precisamos que os conselhos [de medicina] analisem."