Correio braziliense, n. 20 , 28/04/2020. Economia, p.7

 

Sem aumento por 18 meses

Marina Barbosa

Alessandra Azevedo

Vera Batista

28/04/2020

 

 

Guedes pede sacrifício do funcionalismo e sugere congelamento dos salários, que poderia render uma economia de aproximadamente R$ 130 bilhões. Alcolumbre quer torná-la contrapartida para o projeto de ajuda financeira aos estados e municípios durante a pandemia

O ministro da Economia, Paulo Guedes, conseguiu dar mais um passo, ontem, na proposta que prevê o congelamento salarial dos servidores públicos no período pós-pandemia. De manhã, ao lado de Jair Bolsonaro, disse que o servidor não pode “ficar em casa, trancado com a geladeira cheia, assistindo à crise, enquanto milhões de brasileiros estão perdendo o emprego”. E, apesar de ter incomodado o funcionalismo e o presidente com suas observações, convenceu o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de que os integrantes do serviço público devem dar sua “parcela de contribuição” à crise causada pela Covid-19.

“Precisamos também que o funcionalismo público mostre que está com o Brasil, que vai fazer um sacrifício pelo Brasil. Eles vão colaborar. Eles vão, também, ficar sem pedir aumento por algum tempo”, disse Guedes, que defende o congelamento salarial dos servidores há semanas, por entender que a economia gerada por essa medida pode aliviar a conta do pacote do governo de enfrentamento ao coronavírus. Nos cálculos da equipe econômica, o não reajuste pode gerar uma economia em torno de R$ 130 bilhões, se o congelamento for aplicado aos servidores federais, estaduais e municipais, por um período de um ano e meio.

O ministro abordou o assunto na saída do Palácio da Alvorada, logo depois de Bolsonaro ter tentado afastar os rumores sobre a saída de Guedes do governo. “O presidente disse que ninguém tira direito, ninguém tira salário, ninguém encosta em nenhum direito que existe (do servidor) hoje. Mas, por atenção dos brasileiros e para nos ajudar no combate a essa crise, não peçam aumento por um ano e meio. Contribuam para o Brasil. Essa semana mesmo devemos ter essa novidade”, declarou.

Contrapartida

Guedes parece ter garantido apoio de Alcolumbre. Eles trataram do assunto em uma reunião, na Granja do Torto, ontem à tarde. E repetiu o discurso do ministro, dizendo que o congelamento do salário dos servidores das três esferas públicas (federais, estaduais e municipais) deve entrar como contrapartida ao plano de socorro aos estados e municípios, que aguarda a votação do Senado.

Segundo Alcolumbre, para permitir que a União faça os repasses solicitados pelos estados e municípios durante a pandemia do novo coronavírus, será preciso incluir algumas contrapartidas no texto que libera esses repasses. Uma dessas contrapartidas seria a suspensão dos reajustes salariais dos servidores públicos. “Seria um gesto importante evitarmos os reajustes por 18 meses. Em contrapartida, teremos o recurso para ajudar os estados e municípios”, afirmou.

Relator do projeto no Senado, Alcolumbre ainda disse tentar construir “um projeto que compatibilize todos os interesses das regiões, que concilie o desejo do governo federal em dar este aporte, neste momento emergencial, aos estados e municípios, e concilie com a Câmara”. E, por isso, vai voltar a se reunir com a equipe econômica e também com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), nos próximos dias.

Maia foi um dos defensores da ampliação dos repasses federais aos estados e municípios durante a pandemia. O governo, contudo, não aprovou o texto da Câmara, por entender que a proposta passava um cheque em branco para os entes federados. Por isso, tenta emplacar no Senado uma proposta que prevê contrapartidas, como o congelamento salarial dos servidores, e também reduz de R$ 89 bilhões para R$ 77 bilhões o socorro para estados e municípios.

ICMS e ISS

No projeto de lei, os deputados propõem que o governo repasse dinheiro diretamente para compensar a perda de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto Sobre Serviços (ISS) durante a pandemia.

“Há 15 dias, a discussão não era não sobre reajuste de salário, mas de cortar 25% dos salários dos servidores estaduais, municipais e federais”, lembrou o Presidente do Senado. O governo estudava propor a mesma regra adotada aos empregados da iniciativa privada, que podem ter a jornada e os salários reduzidos durante três meses.

Alcolumbre quer apresentar seu substitutivo para o projeto nesta quinta-feira. E pretende votar o texto sábado, em sessão extraordinária.

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Bolsonaro garante afinação com "Posto Ipiranga"

Marina Barbosa

28/04/2020

 

 

Depois de um fim de semana marcado pela especulação sobre a permanência de Paulo Guedes no governo, Jair Bolsonaro fez questão de acenar para o mercado, dizendo que continua alinhado com o seu “Posto Ipiranga”. Eles se encontraram ontem, logo cedo, e no encontro com os jornalistas, na saída do Palácio da Alvorada, o presidente sentenciou, tentando pôr fim aos rumores: “O homem que decide sobre a economia no Brasil é um só, Paulo Guedes”.

“Ele nos dá o norte, nos dá as recomendações e o que nós realmente devemos seguir”, afirmou Bolsonaro, ao lado não apenas de Guedes, mas também do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto –– que estiveram na mesma reunião.

O presidente ainda acrescentou que é uma preocupação do governo a “total responsabilidade com os gastos públicos” e disse que, por isso, há “algumas reformas pela frente para serem discutidas e votadas”.

Ao lado de Bolsonaro, Guedes aproveitou, então, para reforçar que o país continua com a agenda de ajuste fiscal e sugeriu que o plano Pró-Brasil, proposto pela Casa Civil, dias atrás, para a retomada da economia no período pós-coronavírus, pode ter que se ajustar a essa preocupação com o controle das finanças públicas.

“Tivemos a confirmação do presidente de que estamos na mesma trajetória”, emendou Guedes, que agradeceu “ao presidente a confiança que sempre demonstrou em nosso programa” e garantiu que “o Brasil vai voltar à tranquilidade muito brevemente, muito antes do que todos esperam”.

“O mundo inteiro está gastando mais agora por causa da crise. Nós também temos que gastar. Só que é um ano excepcional, extraordinário. Esse ano mesmo, já voltamos às reformas. Ano que vem, já vamos estar certamente crescendo, com investimento em saneamento, petróleo e gás, infraestrutura, logística. Nós seguimos firmes com nosso compromisso”, garantiu Guedes, que, diante disso, chegou a ouvir de um dos apoiadores de Bolsonaro o seguinte apelo: “ministro, não saia não”.

Pró-Brasil

O plano Pró-Brasil foi construído sem a colaboração da equipe econômica e expôs o racha do governo em relação à condução da agenda econômica, alimentando as dúvidas sobre a permanência de Guedes, que só cresceram após a demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça. Questionados sobre o assunto, o presidente garantiu a presença do ministro à frente da condução das finanças do país.

Guedes classificou o Pró-Brasil apenas como “estudos na área de infraestrutura e construção civil”. “Estudos adicionais para ajudar nessa arrancada que vamos fazer. Mas vai fazer dentro do programa de recuperação de estabilidade fiscal nossa. Não queremos virar uma Argentina, uma Venezuela. Estamos em outro caminho. Estamos no caminho da prosperidade, não no caminho do desespero”, garantiu.

E o secretário-executivo do Ministério da Economia completou as alfinetadas ao Pró-Brasil. Em entrevista no Palácio do Planalto, frisou que apesar de não ter participado da confecção do plano, a equipe econômica vai participar do grupo ministerial, sob coordenação da Casa Civil, que vai preparar a retomada no pós-coronavírus.