O Estado de São Paulo, n.46197, 11/04/2020. Espaço Aberto, p.A2

 

A pandemia não espera sindicato

11/04/2020

 

 

Em razão da pandemia do novo coronavírus, foi decretado estado de calamidade pública em todo o território nacional. São tempos excepcionais, que pedem medidas emergenciais em várias áreas. Com urgência, é preciso fortalecer o sistema de saúde, socorrer os mais vulneráveis e preservar, tanto quanto possível, empregos e empresas. No entanto, como se não bastassem os muitos desafios do cenário atual, há quem atue para dificultar ainda mais a reação à pandemia e a seus danos sociais e econômicos. Em ação impetrada pelo partido Rede Sustentabilidade, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski condicionou, por meio de medida liminar, a validade dos acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho, previstos na Medida Provisória (MP) 936/2020, ao aval dos sindicatos.

Por meio da MP 936/2020, o governo federal criou, no início do mês, o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que permite a celebração de acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho. É uma medida para facilitar a preservação dos empregos. Segundo o texto, esses acordos têm validade imediata, precisando apenas “ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral”.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 6.363, o partido Rede Sustentabilidade postulou, entre outros pontos, que essa parte da MP 936/2020 viola direitos sociais previstos na Carta Magna, devendo, portanto, ser declarada inconstitucional, “a fim de afastar o uso de acordo individual para dispor sobre as medidas de redução de salário e suspensão de contrato de trabalho”.

O ministro Ricardo Lewandowski concordou com a alegada inconstitucionalidade. “A assimetria do poder de barganha que caracteriza as negociações entre empregador e empregado permite antever que disposições legais ou contratuais que venham a reduzir o desejável equilíbrio entre as distintas partes da relação laboral, certamente, resultarão em ofensa ao princípio da dignidade da pessoa e ao postulado da valorização do trabalho humano. (...) Por isso, a norma impugnada, tal como posta, a princípio, não pode subsistir”, lê-se na decisão.

Concedendo em parte o pedido do partido Rede Sustentabilidade, o ministro Lewandowski optou por fazer ajustes no texto da MP 936/2020, para “dar um mínimo de efetividade à comunicação a ser feita ao sindicato laboral na negociação. E a melhor forma de fazêlo, a meu sentir, consiste em interpretar o texto da Medida

Provisória, aqui contestada, no sentido de que os ‘acordos individuais’ somente se convalidarão, ou seja, apenas surtirão efeitos jurídicos plenos, após a manifestação dos sindicatos dos empregados”. Em caso de rejeição do acordo individual, caberá ao sindicato deflagrar a negociação coletiva.

Com a liminar do ministro Ricardo Lewandowski, deixa de haver a imediata aplicação dos acordos, como previsto na MP 936/2020. Cada acordo terá de esperar a manifestação do respectivo sindicato. Baseando-se no prazo previsto pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para os acordos coletivos, a decisão fixou em oito dias o prazo para a manifestação sindical.

Além de retardar a produção dos efeitos dos acordos individuais, a decisão do ministro Ricardo Lewandowski gera insegurança jurídica. No dia em que a decisão foi proferida, mais de 7 mil acordos individuais para redução de jornada e salário ou suspensão de contrato já haviam sido registrados na plataforma Empregador Web, segundo apurou o Estadão/Broadcast. Tal como previsto pela MP 936/2020, esses acordos já estavam valendo, mesmo sem a anuência dos sindicatos.

Sob o argumento de proteger direitos trabalhistas, a decisão do ministro Ricardo Lewandowski deixa trabalhadores à deriva, esperando que os sindicatos se manifestem. A pandemia do novo coronavírus não foi informada dessa nova condição e tampouco dos prazos da CLT.