Título: Porte de armas em debate
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 15/12/2012, Mundo, p. 24

Histórico de tragédias reforça discussão a partir do polêmico direito constitucional da autoproteção com armamentos

Com mais de 300 milhões de armas em poder de civis nos Estados Unidos — quase o mesmo número da população do país — e um total de vendas legais de 16,8 milhões a cada ano, pode-se perceber que os norte-americanos têm a prática cultural de armar-se para proteger-se. É o que garante a Segunda Emenda da Constituição: todo o cidadão tem direito à autoproteção e portar armamentos. No entanto, as notícias frequentes de tragédias de ataques contra a população sempre reacendem o debate do que fazer para diminuir as facilidades da porte de armas no país.

No ataque de ontem à escola de Connecticut, novamente o tema voltou à pauta da mídia norte-americana. O diretor de cinema norte-americano, Michael Moore — ganhador do Oscar de 2003 por Tiros em Columbine, sobre o massacre de 13 pessoas em uma escola do Colorado — foi enfático: é preciso exigir uma “regulamentação estrita das armas”. Para ele, esta seria a única maneira de honrar as crianças mortas, além de utilizar políticas públicas para dar “acesso livre aos cuidados psiquiátricos e o fim da violência”, disse por meio do Twitter.

O democrata Jerrold Nadler respondeu imediatamente, também pelo microblog, de que este não seria o momento ideal para a discussão do controle de armas. Os defensores do controle da posse de armas se reuniram na noite ontem na frente da Casa Branca para uma vigília e pedir ações. O porta-voz do presidente Barack Obama, Jay Carney, afirmou que a postura do mandatário é de não deixar que quem não está autorizado a portar armas, não possam comprá-las.

Em 25 de julho, Obama discursou abertamente em favor de um aperfeiçoamento do controle de armas. “Creio que uma grande quantidade de donos de armas estariam de acordo em que as AK-47 estejam nas mãos de soldados e não de criminosos”, afirmou. A declaração ocorreu dias após o jovem James Holmes entrar em uma sala de cinema no Colorado e matar 12 pessoas, ferindo outras dezenas.

Atualmente, 20% dos norte-americanos têm armas em casa, de forma legal. Apesar de ser um número inferior ao de outras décadas, especialistas afirmam existir dois fatores a favor do sistema: a grande quantidade de dinheiro envolvida e o lobby da Associação Nacional de Rifle e Portadores de Armas da América. No período de 2006 a 2011, por exemplo, o aumento de 30% na venda de escopetas de caça.

O FBI informa, por meio do seu site, que os EUA têm uma lei de prevenção usada pelas licenças federais de armas de fogo, na qual é possível determinar, quase instantaneamente, um potencial comprador que tenha direito a adquirir armas ou explosivos, identificando seus antecedentes criminais. Para analistas, a medida é insuficiente.

Facilidades

Em entrevista, por e-mail, ao Correio, o professor de direito da Sturm College of Law, Denver, David B. Kopel, avaliou ser improvável que essa e outras leis anti-armas impeçam um assassino de obter armamento. “Neste caso de Connecticut, por exemplo, o assassino veio de Nova Jersey, onde as leis são mais repressivas. Ele pode ou podem ter adquirido para ele”, explica.

Segundo o professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Antonio Jorge Ramalho, a legislação reflete a questão cultural do país. “A ideia de ter armas é algo arraigado na sociedade norte-americana por se sentirem mais seguras. E cada estado tem uma forma diferente de definir o assunto, não há uma convergência federal”, analisa.

A professora de Criminologia da Universidade de Denver Lisa Pasko explica que, em algumas regiões, o número de série do armamento não necessita ser transferida para o novo proprietário e, dessa forma, fica fácil comprar ou encontrar uma arma em qualquer lugar dos EUA. A pesquisadora defende mais impostos sobre armas e munições. “Não há direito constitucional a uma arma acessível. Se aumentar os impostos, poderíamos ser capazes de reduzir o número de armas em circulação”, opina.

300 milhões Número de armas de fogo em circulação nos Estados Unidos, de acordo com estimativas de especialistas norte-americanos.

30% Índice do aumento na venda de escopetas de caça nos EUA registrado entre 2006 e 2011. 16,8 milhões Total de vendas de armas registradas a cada ano no país — o dobro da comercialização na década passada.