Valor econômico, v.20, n.4977, 08/04/2020. Brasil, p. A4

 

Mansueto diz que déficit caminha "tranquilamente" para R$ 500 bi

Arícia Martins 

Marta Watanabe

Ana Conceição

08/04/2020

 

 

O governo brasileiro vai gastar o que for necessário neste ano para combater a pandemia do coronavírus e seus efeitos econômicos e estuda novas medidas para que empresas, Estados e municípios possam negociar dívidas com o fisco e obter crédito, afirmou ontem o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. Um dos entraves é a discussão constitucional sobre as contribuições previdenciárias, ponderou Mansueto ao participar do webinar "E agora, Brasil?", organizado ontem pelo Valor e pelo jornal "O Globo".

No evento on-line, o secretário previu que o déficit primário do setor público consolidado, que reúne as contas do governo central e entes federados, "caminha tranquilamente" para R$ 500 bilhões em 2020, muito maior que o rombo de R$ 61,9 bilhões registrado em 2019. "A piora fiscal é forte, mas é necessária neste ano, e vamos ter que aceitar isso de forma adulta", disse Mansueto, para quem o Brasil não está atrasado nas medidas anticrise.

A "live" também contou com a participação de Luiza Helena Trajano, do conselho de administração do Magazine Luiza, e a consultora econômica Zeina Latif, que fizeram algumas críticas. A empresária classificou as medidas como "bem feitas", mas questionou o que está travando os bancos para que o dinheiro chegue às empresas, enquanto Zeina disse que medidas sanitárias para diminuir o contágio demoraram a ser tomadas no país, afirmando sentir falta de um comitê de crise para coordenar as ações.

Hoje o governo tem um gabinete de crise e, em meio a uma "economia de guerra", medidas vêm sendo discutidas e anunciadas diariamente, respondeu o secretário, com pronunciamentos concentrados no Palácio do Planalto. No campo econômico, Mansueto afirmou que o Brasil não demorou mais do que outros países a reagir. Todos foram surpreendidos pela rapidez com que a covid-19 e seus efeitos sobre a economia global se espalharam, comentou.

Na área da saúde, o Brasil sai na frente de alguns países por ter o SUS, de acesso universal e gratuito, e mecanismos que permitem transferência "fundo a fundo", de forma imediata, de recursos da União a Estados e prefeituras, observou Mansueto. Já medidas fiscais têm formulação um pouco mais lenta porque é preciso ser responsável com o gasto público. "Queremos fazer a coisa certa. Somos rigorosos. Isso não é rápido em nenhum governo."

Há, ainda, amarras constitucionais que podem ser entrave a algumas das ações, acrescentou. Questionado sobre restrições para que pequenas e médias empresas acessem o programa que financia a folha de pagamento, Mansueto disse que companhias com débitos com a Previdência não podem se beneficiar da medida, mas a regra que impede empresas devedoras de receber recursos do governo é constitucional. "A pergunta é por que colocamos isso na Constituição."

O governo, de acordo com ele, está elaborando medida provisória que permite renegociação de débitos a empresas, Estados e municípios que não venham pagando impostos, para poderem voltar a se endividar. Uma das questões a serem resolvidas, diz, é a das contribuições previdenciárias, porque há uma discussão constitucional. "Em geral a gente tem problema de uma medida provisória mudar regra constitucional", observou.

Segundo Mansueto, o governo tem três prioridades: garantir recursos a entes federados, proteger a renda de pessoas vulneráveis e ajudar empresas a manter empregos. O secretário também destacou que a piora fiscal precisa ficar restrita a 2020. "O gasto é temporário, não é permanente. Um erro que não podemos cometer é pegar um momento de crise para aumentar gasto com despesas que impactem o Orçamento de 2021 em diante", alertou.

Os gastos com saúde vão seguir em alta, mesmo no pós-crise, em linha com o envelhecimento da população brasileira, mas a destinação de um percentual obrigatório das receitas de Estados e municípios a essa rubrica não seria a maneira correta de enfrentar a questão, disse o secretário.

Para Zeina, a crise evidenciou mazelas já existentes num país com 40% da mão de obra na informalidade, grande desigualdade social e problemas de saneamento básico. Como o Brasil foi displicente na política fiscal num passado recente, foi preciso criar mecanismos como "regra de ouro" e teto de gastos, que, agora, engessam decisões, afirmou.

Além disso, o governo teve dificuldade de ouvir alertas na área da saúde. "Começamos a ter medidas de controle de movimentação de pessoas muito tempo depois [do primeiro caso de covid-19] no país", criticou ela. Tanto Zeina quanto Mansueto concordaram que, devido ao elevado nível de incertezas, fazer projeções econômicas agora é "chute". A consultora, no entanto, disse estar preocupada com possíveis efeitos estruturais da crise na economia brasileira. "A parada brusca pode trazer consequências duradouras."

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