O Estado de São Paulo, n.46199, 13/04/2020. Notas e Informações, p.A3

 

A CPMI das 'Fake News' continua

13/04/2020

 

 

Em boa hora, deputados e senadores decidiram prorrogar por mais 180 dias a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga a produção e divulgação de mentiras por meio das redes sociais e aplicativos como o WhatsApp. O novo prazo da chamada CPMI das Fake News começa a valer no dia 14 deste mês. Impunha-se a prorrogação dos trabalhos da comissão porque ainda há muito o que apurar sobre a rede de patrocinadores de perfis – falsos e verdadeiros – que se formou na internet a fim de disseminar mentiras cujo objetivo principal é desestabilizar autoridades e instituições democráticas, como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, a eclosão da pandemia de covid19 impôs um novo desafio à CPMI: muitos dos que atentavam contra a saúde das instituições agora põem em risco a vida dos cidadãos com suas esparrelas sobre a flexibilização do isolamento social e a suposta eficácia de tratamentos ainda não reconhecidos pela ciência.

Ciosos da responsabilidade do Poder Legislativo no enfrentamento desses desafios nada triviais, pela primeira vez, os parlamentares aprovaram a prorrogação de uma comissão de inquérito por meio de votação remota. “Temos que banir os marginais digitais e punir seus financiadores”, disse o senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI das Fake News. Em entrevista ao Estado em meados do mês passado, o senador afirmou que “tem gente gastando pesado” na produção e disseminação de mentiras. Na mesma linha, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse a este jornal que “nada disso (a produção e disparo de fake news) custa pouco, já que um único ‘robô’ custa 12 dólares por mês”. Ou seja, trata-se de coisa feita por profissionais.

Um amador, isolado em um cômodo na frente de um computador ou celular, até pode inventar ou distorcer um fato e transmitir a invencionice para sua rede de contatos. Mas jamais este alcance terá dimensão para desestabilizar autoridades ou instituições como tem a milionária usina de mentiras objeto da CPMI das Fake News. É de vital importância para o País, sobretudo para a salvaguarda da democracia, que os membros da comissão apurem com absoluto rigor quem está por trás destes covardes ataques sub-reptícios à honra das pessoas e das instituições que muitas das vítimas representam.

Do alto do cargo que ocupa, o presidente Jair Bolsonaro deveria ser o primeiro a celebrar a prorrogação dos trabalhos de uma CPMI cujos objetivos, ao fim e ao cabo, são prestigiar os valores democráticos e tornar menos tóxico, para não dizer criminoso, o debate público no País. Todos só têm a ganhar com o bom desfecho da CPMI das Fake News, exceto os que se beneficiam, direta ou indiretamente, da rede de mentiras que ela visa a desbaratar. A decisão dos parlamentares, no entanto, não foi vista com bons olhos pelo Palácio do Planalto. Como revelou a

Coluna do Estadão, o governo federal já elabora uma espécie de “lista negra” de parlamentares que votaram pela prorrogação do trabalho da CPMI das

Fake News. Tratados como “traidores”, esses parlamentares poderão sofrer retaliações. Se assim ocorrer, a ação servirá para apenas aplacar a sede de vingança dos contrariados, pois, em que pese a oposição do Palácio do Planalto, a prorrogação da CPMI era dada como certa, mais um eloquente sinal da distância abissal que separa os Poderes Executivo e Legislativo.

Os trabalhos da CPMI foram interrompidos no dia 17 de março por força do isolamento necessário para evitar a disseminação do novo coronavírus. O senador Angelo Coronel já articula com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a retomada das sessões por meio de videoconferências. Será muito bom se o espírito público dos parlamentares e a tecnologia formarem uma união benfazeja para chegar aos responsáveis pela profusão de

fake news que tanto mal têm feito ao País. Há esperança de que assim será. O Congresso Nacional tem dado mostras de eficiência nestes tempos sombrios.