Valor econômico, v.20, n.4976, 07/04/2020. Política, p. A8

 

Alvo de fritura, Mandetta diz que fica

Fabio Murakawa

Renan Truffi

Rafael Bitencourt

Andrea Jubé

07/04/2020

 

 

O processo de fritura do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, esquentou ontem e ele ficou por um fio de perder o cargo. Porém, no fim do dia, após participar de uma reunião ministerial no Palácio do Planalto, Mandetta convocou uma entrevista coletiva na sede da pasta para dizer que fica. "Nós vamos continuar, porque nós temos um inimigo. Nosso inimigo tem nome e sobrenome: covid-19. Um médico não abandona o paciente", afirmou.

Alvo de críticas públicas do presidente Jair Bolsonaro nos últimos dias, por conta de divergências em torno da condução da crise provocada pela covid-19, Mandetta reforçou seu antagonismo com o chefe na defesa do isolamento social. E pediu "um bom ambiente para trabalhar".

"Não temos nenhum receio da crítica. Gostamos da crítica construtiva. O que nós temos dificuldade é quando em determinadas impressões as críticas não vêm no sentido de construir, mas vêm para trazer dificuldade no ambiente do trabalho", disse Mandetta. "O médico não abandona o paciente. Mas o médico precisa de um bom ambiente para trabalhar. Tudo o que eu estou pedindo é um bom ambiente para trabalhar."

Mandetta reiterou que atua com base na ciência e unido à academia para definir protocolos, escolher as drogas e estratégias para combater a pandemia. E destacou que vem trabalhando com transparência nos números, nas discussões e tomadas de decisões.

A entrevista coletiva aconteceu momentos depois de Mandetta deixar o Planalto. Ele foi recebido no ministério por funcionários, que aguardavam para homenageá-lo, já certos da demissão. O ministro falou rodeado por todos os seus secretários e com integrantes da bancada da saúde na plateia, em uma demonstração de força perante o presidente.

"Espero que a equipe do Ministério da Saúde que já ficou muito tempo sem trabalhar hoje, volte ao trabalho. Vamos acabar essa coletiva e vamos retomar o trabalho que temos que retomar", disse.

Bolsonaro cogitou demitir Mandetta ontem mesmo, segundo relatos. Mas a notícia de que o destino do auxiliar estava selado gerou uma forte repercussão negativa nas redes sociais e provocou panelaços contra o presidente à tarde.

Ministros militares advertiram Bolsonaro de que o presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), também estava contra a medida. Alcolumbre telefonou, mais cedo, para os ministros da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto, e da Cidadania, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), com quem discutiu o assunto.

Ele também falou pessoalmente com o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), na Residência Oficial da Presidência do Senado.

Bolsonaro, por sua vez, esteve ontem com dois dos principais cotados para substituir Mandetta. O deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), ex-ministro da Cidadania, participou de uma reunião com o presidente, Braga Netto e os outros três ministros palacianos: Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral). Terra vem adotando um posicionamento alinhado ao do presidente contra o isolamento social.

Depois, almoçou com a oncologista Nise Yamagushi, diretora do Instituto de Avanços em Medicina, que tem defendido o uso de cloroquina no tratamento inicial de pacientes com covid-19 - posição antagônica à de Mandetta.

Bolsonaro tem se irritado com o protagonismo do ministro na crise e acredita que ele está agindo politicamente para se cacifar para as eleições de 2022.

Mandetta tem pretensões de concorrer ao governo de Mato Grosso do Sul. Porém, o presidente teme até mesmo que ele represente uma ameaça à sua reeleição, dada a popularidade que o ministro adquiriu por sua condução da crise provocada pelo coronavírus.

Bolsonaro também está contrariado com o alinhamento do ministro com Alcolumbre e com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Embora também defendam a linha mais científica do ministro da Saúde, ministros militares como Braga Netto e Ramos avaliam que Mandetta extrapolou ao expor publicamente suas divergências com o presidente em relação à pandemia.

A participação de Mandetta no sábado em uma "live" da dupla sertaneja Jorge & Matheus também incomodou o presidente. "É importante que a música chegue, mas é importante não aglomerar. O show não pode parar, mas a aglomeração tem que parar", disse o ministro em sua aparição.

Na entrevista de ontem, ele agradeceu novamente a dupla e reiterou a advertência que fez aos músicos contra as aglomerações.

Parlamentares da base do governo acreditavam ontem que as chances de demissão de Mandetta eram "muito altas", mas também afirmavam que o martelo "ainda" não havia sido batido.

No domingo, o presidente disse que alguns em seu governo estão "se achando", "viraram estrela" e que "a hora deles vai chegar", em referência indireta a Mandetta.

Na semana passada, o presidente afirmou que faltava "humildade" ao ministro, que, em sua avaliação, deveria escutá-lo mais. Dias antes, Bolsonaro havia passeado por Brasília, desrespeitando as recomendações da pasta e da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Aliados do ministro creem que a atitude presidente tem como objetivo principal "desgastar" a imagem do auxiliar para minimizar o ônus de uma eventual demissão. Ciente da aprovação do titular do Ministério da Saúde frente à opinião pública, Bolsonaro teria adotado, na avaliação a estratégia de "queimá-lo para que a demissão não custe tão caro". Segundo pesquisas, a avaliação da atuação de Mandetta melhorou em relação aos primeiros dias da pandemia. Por outro lado, a rejeição à performance de Bolsonaro aumentou. (Colaboraram Marcelo Ribeiro e Matheus Schuch)