Correio braziliense, n. 20796 , 30/12/2020. Política, p.2/3

 

Direção da PF opõe STF e Bolsonaro

Renato Souza

Ingrind Soares

Luiz Calcagno

30/04/2020

 

 

PODER » Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, vetou nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal. AGU disse que não ia recorrer da decisão, mas foi desautorizada pelo presidente, que insiste em ter o amigo da família à frente da corporação

Uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada ontem, horas antes da posse de Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal, pegou o presidente Jair Bolsonaro de surpresa. O magistrado, alegando indícios da prática de desvio de finalidade, impediu que o delegado fosse alçado ao cargo e tornou sem efeito o decreto do chefe do Executivo que havia oficializado a troca no comando da corporação. O despacho foi tão urgente que Moraes determinou que, se necessário, o governo fosse informado por meio de WhatsApp sobre o entendimento que ele teve a respeito do assunto. Sem uma alternativa imediata para o cargo, o presidente afirmou que vai recorrer da decisão. Com o veto a Ramagem, o chefe do Executivo deu posse apenas a André Mendonça como ministro da Justiça e a José Levi como novo advogado-geral da União.

A polêmica em torno do caso teve início com a demissão do então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, homem de confiança de Sergio Moro, que deixou o Ministério da Justiça por não concordar com a troca. Ao sair, o ex-juiz acusou o presidente de tentar interferir na corporação para proteger aliados e de ter lhe pedido acesso a relatórios de inteligência relacionados a investigações em andamento na corporação. Citando as palavras do ex-ministro, Alexandre de Moraes apontou existirem indícios de que os interesses de Bolsonaro, ao trocar o comando da PF, não são compatíveis com a legislação. O magistrado disse que vê a intenção do presidente de colocar à frente da instituição um nome que seja “do contato pessoal dele”.

Durante a tarde, a Advocacia-Geral da União (AGU) chegou a publicar nas redes sociais que não ia recorrer da decisão, pois o presidente havia editado um decreto revogando a nomeação de Ramagem. No entanto, horas depois, Bolsonaro desautorizou a AGU e disse que a função do órgão é recorrer. “Quem manda sou eu”, disse a apoiadores em frente ao Alvorada. “Eu quero o Ramagem lá. É uma ingerência, né? Vamos fazer tudo para o Ramagem. Se não for, vai chegar a hora dele, e vamos colocar outra pessoa.”

Na solenidade de posse — da qual participaram o presidente do STF, Dias Toffoli, e o ministro da Corte Gilmar Mendes —, Bolsonaro afirmou que o sonho de nomear Ramagem para a Polícia Federal em breve se concretizará e defendeu a independência entre os poderes. “Uma das posições importantes que quem nomeia sou eu é a do diretor-geral da Polícia Federal. A nossa PF não persegue ninguém, a não ser bandidos. Um pequeno parêntese: respeito o Poder Judiciário, respeito às suas decisões, mas nós, com toda certeza, antes de tudo, respeitamos a nossa Constituição”, ressaltou.

Receio

Dentro da PF, é grande a expectativa para saber qual será o desfecho da história. Além disso, a corporação está sob tensão desde a saída de Moro, que tinha absoluta confiança de agentes e delegados por conta de sua atuação na Operação Lava-Jato. Nos bastidores, a avaliação é de que a instituição está desprotegida de interferências. O nome de Ramagem é visto com desconfiança, e antes mesmo de assumir, de acordo com fontes ouvidas pela reportagem, ele pensava em realizar alterações na composição das superintendências regionais.

Apesar da insistência do presidente de ter Ramagem à frente da PF, a decisão final deve ocorrer apenas após análise pelo plenário do Supremo, que decide a situação em caso de apresentação de recurso. O impasse gera preocupações entre os integrantes da corporação e dificulta o planejamento de operações em andamento e de novas ações. Se não obtiver aval da Justiça, Bolsonaro terá de escolher outro nome para ocupar o cargo.

Pedido do PDT

O mandado de segurança foi impetrado pelo PDT no STF. O partido questionou, no documento, a ligação de Ramagem com a família de Bolsonaro e a possibilidade de interferência do presidente da República na Polícia Federal. Em rede social, o deputado André Figueiredo (PDT-CE) afirmou que a liminar de Moraes foi “vitória da moralidade”.  “Estava assumindo (Ramagem) por ser muito próximo à família do presidente e de seus aliados e poderia blindá-los em eventuais investigações”, frisou.

Volta à Abin

Após a decisão de Moraes, Bolsonaro tornou sem efeito a nomeação de Ramagem. A decisão consta de decreto publicado, ontem, em edição extra do Diário Oficial da União (DOU). O texto também revoga a exoneração do delegado do cargo de diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), posto que ocupava antes de ser indicado para a PF. Com isso, ele volta para a Abin.

Frase

"Quando um país tem a inestimável fortuna de construir uma democracia, o desafio seguinte é buscar o constante aprimoramento da prática democrática (...) As democracias são diretamente ligadas à segurança jurídica"

José Levi Mello do Amaral Júnior, novo advogado-geral da União

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Derrotas na corte

Sarah Teófilo

30/04/2020

 

 

O governo tem sofrido seguidos reveses no Supremo Tribunal Federal. Ontem, o decano da Corte, Celso de Mello, autorizou a abertura de inquérito contra o ministro da Educação, Abraham Weintraub, para investigar possível crime de racismo contra chineses em uma publicação feita por ele numa rede social. O pedido foi do vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros.

Na última segunda-feira, Mello também autorizou a abertura de inquérito para investigar as declarações feitas pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro contra Bolsonaro. O ex-juiz federal pediu demissão acusando o chefe do Executivo de tentar interferir na PF, ao exonerar Maurício Valeixo, e de buscar acesso a relatórios da corporação sobre investigações. As acusações de Moro, por sinal, embasaram a liminar expedida, ontem, pelo ministro Alexandre de Moraes para impedir a posse de Alexandre Ramagem como diretor-geral da PF.

Na semana passada, o próprio Moraes já havia determinado a manutenção dos delegados da PF que atuam nos inquéritos, em andamento no STF, para investigar a disseminação de fake news e as manifestações pelo Brasil que pediam intervenção militar no país — um desses atos, em Brasília, teve a participação de Bolsonaro. A intenção de Moraes, com a medida, foi evitar alterações nos casos em meio a mudanças na corporação.

No âmbito da pandemia, a Corte decidiu, ainda neste mês, que Bolsonaro não pode interferir nas medidas de isolamento social adotadas por governadores e prefeitos.

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Mendonça chama presidente de profeta

Augusto Fernandes

Sarah Teófilo

30/04/2020

 

 

Após a saída traumática, para o governo, de Sergio Moro do Ministério da Justiça, o novo titular da pasta, o ex-advogado-Geral da União André Mendonça, tomou posse prometendo tudo aquilo que o presidente Jair Bolsonaro queria: alinhamento total com o chefe do Executivo, a quem chamou de “profeta do combate à criminalidade”. O comandante do Planalto devolveu o elogio, chamando o advogado, que é pastor, de “terrivelmente evangélico”.

Mendonça deixou claro que quem manda é o presidente, e que ele será apenas um instrumento, uma peça. “Vossa Excelência tem sido, há 30 anos, um profeta no combate à criminalidade. Hoje (ontem), esse ministro da Justiça assume o compromisso de lutar pelos ideais de uma vida que o senhor tem combatido”, afirmou.

Ao elogiar Mendonça e dizer que ele poderá formar a equipe de acordo com o seu entendimento, o presidente fez uma ressalva. “Uma das posições importantes, que quem nomeia sou eu, é o diretor-geral da Polícia Federal”, destacou.

Para Mendonça, não houve qualquer menção de “carta branca” ou “porteira fechada”, como Bolsonaro costuma dizer a ministros. Moro, agora considerado por apoiadores irrestritos do presidente como um traidor, não foi ao evento, tampouco houve qualquer citação ao nome dele, nem da parte do presidente nem do sucessor dele na pasta. Ainda que Bolsonaro tenha deixado claro que a indicação da PF é dele, o novo chefe da Justiça e Segurança Pública ressaltou: “Cobre de nós mais operações da Polícia Federal”.

O novo ministro da Justiça afirmou que a intenção é de uma integração constante entre os dois. “Vamos trabalhar com diálogo, seriedade, integridade, comunicação, interação, onde nenhum de nós é mais importante do que o outro, mas o grande ator é o povo”, disse. E completou: “O povo o elegeu para isso, e eu serei o fiel missionário dessa mensagem”. Ele deixou claro que está disposto sempre a prestar contas “não só ao chefe da nação, mas a todo povo brasileiro”.

Retaguarda jurídica

De acordo com Mendonça, a atuação dele será “técnica e imparcial”. Disse, no início do discurso que, de antemão, gostaria de fazer alguns compromissos com a nação. Falou sobre luta contra a corrupção, crime organizado, tráfico de drogas e armas e abuso sexual contra crianças e adolescentes.

O advogado frisou, ainda, a importância das forças de segurança, chamando os integrantes de heróis e prometendo buscar “retaguarda jurídica e valorização”. “Essas pessoas têm de ser valorizadas. Temos de reconhecer o valor dos agentes de segurança e vamos trabalhar para esse fortalecimento, dando princípios de autonomia, independência, responsabilidade, integridade, transparência e controle.”

Mendonça também pontuou as ações integradas com estados e municípios, dizendo que a criminalidade não é mais um sistema hierarquizado. “Não se faz o combate à criminalidade em rede se não envolver estados, municípios e até outros países”, pregou.

Agradecimento

André Mendonça agradeceu ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, que estava sendo cotado para assumir o cargo de ministro da Justiça. Disse que ele “tem sido exemplo de integridade, sobriedade”. Nesse momento, Bolsonaro se levantou para aplaudir Oliveira, e foi seguido pelo restante dos presentes. “O senhor tem aberto mão de oportunidades para melhor servir o Brasil. Se tem alguém que tem ministrado Justiça, nesta Esplanada, é o senhor.”