Correio braziliense, n. 20796 , 30/04/2020. Brasil, p.6

 

"Quando vai ser o pico? Não sei, ninguém sabe"

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

30/04/2020

 

 

Arguido por senadores, ministro Teich afirma que "Cestamos navegando às cegas" e alega dificuldade em obter informações sobre o avanço da Covid-19. Brasil bate recorde de novos casos da doença - foram 6.276 registros em 24 horas - e chega a 5.466 mortes em 43 dias

Na semana recorde de crescimento do número de casos da Covid-19, que colocou o Brasil na lista dos dez países com mais mortos pela doença, o Ministério da Saúde confirmou 449 novos óbitos nas últimas 24 horas, totalizando 5.466. A falta de consenso entre orientações no combate à pandemia fez a Organização das Nações Unidas (ONU) emitir relatórios ressaltando a necessidade de se colocar vidas à frente da economia. Enquanto isso, em audiência pública, o ministro da Saúde, Nelson Teich, declarou a senadores que a pasta nunca se posicionou para a saída do isolamento.

Um dia após bater o recorde do número de mortes pela Covid-19, o Brasil registrou, ontem, o maior número de casos do novo coronavírus em 24 horas. O sistema recebeu mais 6.276 registros, totalizando 78.162 infectados no Brasil. Apesar dos números, especialistas dizem que o país ainda não chegou ao pico de casos da doença. Questionado, ontem, sobre quando isso vai acontecer, o ministro da Saúde, Nelson Teich, desconversou. “Quando vai ser o pico? Não sei, ninguém sabe. Não sou só eu que não sei, ninguém sabe”, afirmou, em audiência pública realizada em uma sessão remota no Plenário do Senado Federal.

Em resposta a senadores, o ministro afirmou que existe a possibilidade de uma segunda onda da doença, diante da notificação de pessoas diagnosticadas com a doença duas vezes, mas que não é possível projetar isso com clareza pelo formato de diagnóstico realizado atualmente no país. De acordo com Teich, cada lugar terá uma curva e as datas projetadas são suposições em cima de modelos.

“Estamos navegando às cegas. Falta informação sobre o vírus, os testes não são 100% confiáveis. Ninguém sabe quando vai haver o pico de contaminados. Cada lugar vai ter sua própria curva. A incerteza prejudica qualquer planejamento de longo prazo, temos que rever isso diariamente”, disse Teich.

Segundo o balanço do Ministério da Saúde, entre os estados mais afetados estão São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Amazonas, Maranhão e Pará. As sete unidades federativas concentram 4.703 mortes, ou seja, 86% dos óbitos no Brasil.

Isolamento

Diante do crescimento de casos e mortes, o ministro ressaltou que o Ministério da Saúde nunca se posicionou para uma saída do isolamento. “Essa orientação vem sendo mantida e, onde a gente está vendo uma alteração em relação a isso, é uma decisão dos governadores. Isso não é uma decisão nossa. Nossa orientação desde o começo é o distanciamento”, pontuou.

Até o momento, segundo Teich, a pasta habilitou 2.258 leitos de UTI e contratou outros 504 leitos volantes. Em relação aos insumos, foram distribuídos aos estados e municípios 79 milhões de produtos entre álcool em gel, avental, luva, sapatilha, óculos de proteção, touca e máscara. O total de recurso empenhado foi de R$ 4,5 bilhões.

Ainda esta semana, o Ministério da Saúde deve liberar mais R$ 1 bilhão aos governadores e prefeituras. A metodologia adotada, no entanto, será a não-linear. "Percebemos distintos perfis de comportamento da doença por região, bem como padrão de evolução da epidemia em cada localidade. O que definirá o peso de redistribuição de recursos é também a prioridade no socorro a estados e municípios, a partir da situação crítica vivenciada pelo ente federado", explicou.

No ranking de confirmações, o Sudeste continua na liderança, com 49,8% dos casos. Em seguida aparecem Nordeste (28,7%), Norte (12,3%), Sul (6%) e Centro-Oeste (3,2%). O Ministério da Saúde divulgou, ainda, o número de pacientes recuperados da Covid-19, 34.132, o que representa 44% das pessoas que tiveram um diagnóstico comprovado. Outras 38.564 continuam em acompanhamento.

Críticas ao Brasil

Direcionado especificamente para o Brasil, o comunicado do Alto Comissariado da ONU sugere olhar atento para combater a desigualdade e a pobreza, deixando de lado políticas de austeridade que priorizem a economia. "Não é permitido colocar em risco a saúde e a vida das pessoas, incluindo os profissionais de saúde, pelos interesses financeiros de alguns. Quem será responsabilizado quando as pessoas morrerem por causa de decisões políticas contrárias à ciência?", questionam o especialista em direitos humanos e dívida externa, Juan Pablo Bohoslavsky, e o relator especial sobre pobreza extrema, Philip Alston.

Para os especialistas, o auxílio emergencial de R$ 600 é um exemplo de boa medida adotada para este momento. Por outro lado, indicam, é necessário que se revogue a emenda constitucional do teto de gastos, que limita repasses públicos por 20 anos. O objetivo é fortalecer os serviços públicos essenciais neste período.