Valor econômico, v.20, n.4975, 04/04/2020. Brasil, p. A2

 

Bolsonaro ameaça demitir ‘quem está se achando’

Fabio Murakawa

04/04/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que “algo subiu à cabeça” de algumas pessoas em seu governo, que “estão se achando”. E afirmou que “a hora deles vai chegar”, porque sua “caneta funciona”.

A fala, a apoiadores na porta do Palácio da Alvorada, soa como um recado ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. O presidente, porém, não citou diretamente o auxiliar, com quem vem se estranhando nas últimas semanas.

“Algumas pessoas do meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando. Eram pessoas normais, mas de repente viraram estrela. Falam pelos cotovelos, tem provocações”, disse. “A hora deles não chegou ainda não, vai chegar a hora deles. Porque a minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil.”

As afirmações refletem um incômodo de Bolsonaro com o protagonismo de Mandetta ao longo da crise provocada pela covid-19. O presidente já admitiu que vem “se bicando” com o ministro, mas não havia falado em demiti-lo.

Antes do recado a Mandetta, Bolsonaro havia colocado como um dos problemas da crise o fato de que algumas pessoas estarem “de olho na minha cadeira”.

Interlocutores do ministro afirmam que ele não pretende deixar o cargo. Também dizem que Mandetta está ciente de que dificilmente permanecerá no posto após o pior da crise passar.

O ministro cresceu politicamente ao servir de contraponto à visão anticientífica propagada pelo presidente. Segundo institutos de pesquisa, sua aprovação é hoje maior que a de Bolsonaro. Sabe que o chefe terá que arcar com um ônus muito grande ao demiti-lo em meio à pandemia.

O presidente passou o dia no Palácio da Alvorada. Ele havia dito que cumpriria o domingo em jejum, em uma mobilização convocada por várias denominações evangélicas para orar contra os males causados pela pandemia.

Bolsonaro saiu no fim da tarde para a frente da residência oficial. Ali era esperado por um grupo de apoiadores, entre eles pastores, um padre e fiéis. O presidente voltou a criticar as restrições impostas por governadores à circulação de pessoas por causa da pandemia.

E também, mais uma vez, insinuou que houve fraude nas eleições. “Quem entende diz que esse sistema de votação nosso é fraudado. Como é que é fraudado se ganhou? Eu tive muito voto.”

Bolsonaro comentou em seguida sobre a escolha de seu ministério: “Escolhi [os ministros], errei alguns, alguns foram embora”.

Até o momento, Bolsonaro demitiu os ministros Ricardo Vélez (Educação), Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo), Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) e Osmar Terra (Cidadania). Gustavo Canuto (Desenvolvimento Regional) foi para a Dataprev e Onyx Lorenzoni saiu da Casa Civil para a Cidadania.

No Alvorada, o presidente disse ainda que é preciso pregar “uma mensagem de paz e não de terrorismo, histeria, como foi pregado junto ao povo brasileiro”, antes de criticar os governadores.

“Cada chefe do Executivo querendo dizer que determinou mais medidas restritivas do que o outro, como se estivesse preocupado com a vida de alguém. A gente sabe que a preocupação não é com vida, a preocupação é jogada política na maioria das vezes”, disse. “Alguns se renderam às decisões desses governantes e acabaram cumprindo. Já tem gente que está voltando atrás, tem chefe que está voltando atrás.”

Ontem, o Ministério da Saúde divulgou que o número de mortos no Brasil por covid-19 subiu a 486. Foram 54 mortes em 24 horas, uma diminuição em relação a sábado (73 casos), após três dias de recordes diários de óbitos. Ao todo, o país já tem 11.130 casos confirmados da doença, com uma taxa de letalidade de 4,2%.

A região Sudeste continua liderando o número de casos, com 6.678 diagnósticos confirmados e 351 mortos. São Paulo é o Estado mais afetado pela doença, com 4.620 casos e 275 mortos. Técnicos estimam que nos próximos 20 dias o quadro irá se agravar sobretudo em São Paulo, Distrito Federal, Ceará, Amazonas e Rio.