Correio braziliense, n. 20797 , 01/05/2020. Política, p.2

 

STF sai em defesa de ministro após ataque

Renato Souza

01/05/2020

 

 

PODER » Magistrados da Corte apoiam o colega Alexandre de Moraes, alvo de declarações hostis de Bolsonaro por ter vetado nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal. Chefe do Executivo diz que AGU vai recorrer da decisão

A reação do presidente Jair Bolsonaro à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para diretor-geral da Polícia Federal, surpreendeu os integrantes da mais alta Corte do país e provocou uma corrente de apoio ao colega de tribunal. Os magistrados esperavam que o governo recorresse por meio da Advocacia-Geral da União (AGU). No entanto, o que se viu foi um ataque direto do chefe do Executivo a Moraes.

Bolsonaro disse, ontem, que vai tentar manter a nomeação de Ramagem para o comando da PF e disparou contra Moraes. “Cumpri a decisão liminar chateado. No meu entender, uma decisão política”, disparou. “Eu não engoli essa decisão do senhor Alexandre de Moraes. Não engoli. Não é essa a forma de tratar o chefe do Executivo. Tirar numa canetada, desautorizar o presidente da República com uma ‘canetada’, dizendo em impessoalidade? Ontem (quarta-feira) quase tivemos uma crise institucional. Faltou pouco. Eu apelo a todos que respeitem a Constituição.”

O chefe do Executivo enfatizou o fato de o ministro ter citado o princípio da impessoalidade na decisão. “Como o Alexandre de Moraes foi para o Supremo? Amizade com o senhor Michel Temer”, alfinetou, numa referência ao fato de o ministro ter ingressado na Corte, em 2018, por meio de indicação do então chefe do Executivo. Ele desafiou o ministro a tirar Ramagem da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), cargo que hoje ocupa. “Se não pode estar na Polícia Federal, também não pode estar na Abin. Senhor Alexandre de Moraes, aguardo de Vossa Excelência uma canetada para tirar o Ramagem da Abin. Para ser coerente”, disse.

Ao longo do dia, ministros do STF saíram em defesa do colega e repreenderam o que chamaram de uma tentativa de intimidar o Poder Judiciário. Luís Roberto Barroso afirmou que o colega atua de forma “técnica” e “independente”. “O ministro Alexandre de Moraes chegou ao Supremo Tribunal Federal após sólida carreira acadêmica e de haver ocupado cargos públicos relevantes, sempre com competência e integridade. No Supremo, sua atuação tem se marcado pelo conhecimento técnico e pela independência. Sentimo-nos honrados em tê-lo aqui”, declarou.

O ministro Gilmar Mendes manifestou-se de forma mais contundente e declarou que não se pode aceitar qualquer tipo de ação que tente impor censura aos tribunais. “As decisões judiciais podem ser criticadas e são suscetíveis de recurso, enquanto mecanismo de controle. O que não se aceita — e se revela ilegítima — é a censura personalista aos membros do Judiciário. Ao lado da independência, a Constituição consagra a harmonia entre poderes”, escreveu no Twitter.

Moraes se posicionou durante sessão virtual da Corte. O ministro afirmou que “a sociedade é quem sofre” com as disputas políticas que ocorrem por via judicial ou pela imprensa. Sem citar diretamente Bolsonaro, disse que a “União poderia fazer mais” para conter a pandemia de coronavírus. “O Brasil já chega a quase seis mil mortos. Seis mil mortos. Enquanto nós continuarmos, entes federativos continuarem brigando, judicialmente ou pela imprensa, é a população que sofre”, destacou. “Que nós que exercemos cargos públicos possamos olhar para a população e afirmar que estamos fazendo o melhor com base em regras técnicas, regras de saúde pública, regras internacionalmente conhecidas. E não com base em achismos, com base em pseudomonopólios de poder por autoridade.”

Desabafo

À noite, na live das quintas-feiras, Bolsonaro classificou suas declarações como desabafo. “Fiz um desabafo hoje de manhã (ontem). Não ofendi ninguém nem nenhuma instituição. Tenho convicção disso. Apenas me coloquei no lugar do Ramagem”, alegou.

Segundo Bolsonaro, a indicação de Ramagem se baseia no extenso currículo do delegado. O chefe do Executivo passou cerca de 15 minutos comentando a vida pregressa dele e destacou que teve atuações em Roraima e na Lava-Jato, por exemplo. “O crime dele, o errado, foi participar da minha segurança”, ironizou, lembrando que Ramagem foi chefe da segurança dele. “Ali nasceu uma amizade. Assim como você tem com a pessoa que trabalha na sua casa, na sua empresa. Ele tomava café comigo. Acho que ele foi num casamento de um filho meu.” 

  ATAQUE...

“Eu não engoli, ainda, essa decisão do senhor Alexandre de Moraes. Não engoli. Não é essa a forma de tratar um chefe do Executivo, que não tem uma acusação de corrupção e faz tudo possível pelo seu país”

“Desautorizar o presidente da República com uma canetada dizendo ‘impessoalidade’? Ontem (quarta-feira) quase tivemos uma crise institucional, quase, faltou pouco. Eu apelo a todos que respeitem a Constituição”

“Essa decisão do senhor Alexandre de Moraes, no meu entender, falta um complemento para mostrar que não é uma coisa voltada pessoalmente para o senhor Jair Bolsonaro”

“Cobrei que o ministro Alexandre de Moraes tome uma posição no tocante ao Ramagem porque ele continua à frente da Abin (Associação Brasileira de Inteligência), que é tão importante quanto a PF”

“Se ele (Moraes) não se posicionar, está abrindo a guarda para eu nomear o Ramagem independente (sic) da liminar dele. É isso que nós não queremos. Queremos o respeito de dupla mão entre os Poderes”

...CONTRA DEFESA

“Que nós que exercemos cargos públicos possamos olhar para a população e afirmar que estamos fazendo o melhor com base em regras técnicas, regras de saúde pública, regras internacionalmente conhecidas. E não com base em achismos, com base em pseudomonopólios de poder por autoridade”

Alexandre de Moraes, ministro do STF

“É inadmissível que magistrados, no exercício das funções constitucionais, dentro do seu poder de decidir com base em seu livre convencimento motivado, sejam alvos de ofensas pessoais”

Trecho de nota da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)

“A AMB alerta sobre a necessidade de respeito à independência e à autonomia dos juízes, desembargadores e ministros para desempenharem suas funções constitucionais. No Estado de Direito, decisões judiciais devem ser cumpridas”

Renata Gil, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

“O presidente dá péssimo exemplo ao criticar politicamente um ministro, dizer que motivações políticas estariam por trás de uma decisão, o que claramente é algo que o presidente não tem provas para fazê-lo”

Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

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5 dias para Moro depor

Renato Souza

01/05/2020

 

 

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, ontem, que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro preste depoimento à Polícia Federal em, no máximo, cinco dias. O ex-juiz deverá detalhar as acusações que fez contra o presidente Jair Bolsonaro ao deixar o governo.

Mello atendeu a um pedido de parlamentares que solicitaram urgência no depoimento. Ao pedir demissão, Moro acusou Bolsonaro de tentar interferir na PF por razões políticas e disse que o presidente quis acesso a relatórios de inteligência sobre investigações em andamento na corporação.

Na decisão, o ministro cita as declarações de Moro que apontam crimes de Bolsonaro no exercício do cargo e afirmou que o ex-juiz apresente “manifestação detalhada sobre os termos do pronunciamento, com a exibição de documentação idônea que eventualmente possua acerca dos eventos em questão.”

Mais cedo, Moro afirmou que não vai admitir ser chamado de mentiroso e que apresentará à Justiça provas de que Bolsonaro tentou interferir indevidamente na PF. A declaração foi dada em entrevista à revista Veja. Ele aproveitou para enfatizar que reitera tudo que falou em seu pronunciamento, mas que esclarecimentos adicionais serão dados apenas quando for chamado pela Justiça.

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Duplo revés no supremo

Renato Souza

Sarah Teófilo

01/05/2020

 

 

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, ontem, por unanimidade, trechos da Medida Provisória (MP) 928/2020, do presidente Jair Bolsonaro, que suspendia prazos de respostas para pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI) enquanto durasse o período de emergência de saúde pública causada pelo novo coronavírus. O texto já havia sido suspenso em caráter liminar pelo ministro Alexandre de Moraes.

Em seu voto, Moraes questionou qual era a razoabilidade de, durante a pandemia, restringir o acesso à informação. “Nenhuma norma da Organização Mundial de Saúde (OMS) ou de qualquer outra organização diz que restringir o acesso à informação é necessário para combater a pandemia”, argumentou.

Também ontem, o ministro Gilmar Mendes rejeitou pedido do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para suspender a prorrogação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News.

A CPMI foi aberta em 4 de setembro do ano passado, válida por 180 dias. No entanto, foram colhidas assinaturas suficientes para prorrogar os trabalhos. Na decisão, Gilmar destacou que a comissão investiga fatos que estão na mira do Supremo. Um que investiga fake news e ataques contra a Corte e seus integrantes e outro que investiga a convocação de atos que pedem a intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF. “São de vital importância para o desvendamento da atuação de verdadeiras quadrilhas organizadas que, por meio de mecanismos ocultos de financiamento, impulsionam estratégias de desinformação, atuam como milícias digitais, que manipulam o debate público e violam a ordem democrática”.